
Com a virada do último século, há mais de 25 anos, surgiu um medo improvável. As pessoas temiam que computadores e outros sistemas informatizados que controlavam diversos âmbitos do cotidiano àquela época não conseguissem analisar a virada de 1999 para 2000 e, confundidos pelo ano até então desconhecido, marcassem datas erradas ou simplesmente pifassem e dessem origem ao fim do mundo.
Acontece, porém, que esse medo, conhecido como ‘bug do milênio’, apesar de ter se tornado uma piada com os anos que se passaram, não era infundado e muito menos uma farsa, como muitos começaram a pensar depois da virada da década. Se a questão era de fato muito falada, era pouco entendida, uma vez que a maioria das pessoas não sabia como os eletrônicos funcionavam.
“Se os computadores interpretassem o ‘00’ em 2000 como 1900, isso poderia significar dores de cabeça que variariam de cálculos de hipotecas extremamente errados a, alguns especularam, apagões em larga escala e danos à infraestrutura”, diz uma matéria da revista americana Time de 2019.
O próximo período em que um ‘bug’ parecido pode ocorrer, segundo especialistas, é 2038 — ou Y2K38 —, mais especificamente a partir de 19 de janeiro. Neste dia, a forma com que sistemas armazenam e calculam datas e horas pode resultar em uma volta para o ano 1901.
Uma data ou uma hora errada aparentemente não representam problemas muito grandes no dia a dia, mas, como na virada para o ano 2000, esses pequenos equívocos podem causar dores de cabeça, entre outros, em bancos de dados de instituições ou em servidores de sites e empresas.
A empresa americana de segurança cibernética e gerenciamento de sistemas Tanium fez uma publicação sobre o tema em 2024 — que, como 2038, foi um ano bissexto em que se pôde traçar paralelos. “O bug de 2038 não é um cenário hipotético, mas uma ameaça real que pode afetar uma ampla gama de sistemas, como sistemas/dispositivos embarcados, dispositivos de Internet das Coisas (IoT), sistemas operacionais, bancos de dados, servidores, redes, aplicativos e serviços da web.”
Entenda
De acordo com a Tanium, alguns sistemas de computadores armazenam e representam valores de data e hora a partir de um número chamado “timestamp”.
Esse número representa os segundos que se passaram desde o dia 1º de janeiro de 1070, chamado de horário Unix. “Por exemplo, o timestamp para 1º de janeiro de 2024, às 01:00:00 UTC (Tempo Universal Coordenado), é 1704070800, o que significa que 1704070800 segundos se passaram desde a época.”
Alguns desses sistemas, porém, utilizam um dado chamado ‘inteiro assinado’ de 32 bits, que armazena números de -2147483648 a 2147483647. “Isso significa que o maior registro de data e hora que esses sistemas podem manipular é 2147483647, que corresponde a 19 de janeiro de 2038, às 03:14:07 UTC”, explica a empresa. “Depois disso, o registro de data e hora transbordará e se tornará um número negativo”, o que fará com que elas fiquem erradas.
O número para o dia 20 de janeiro de 2038 seria 2147483648. “Como esse não é um timestamp válido usando o formato Unix, ele irá estourar e se tornará -2147483648, que corresponde a 13 de dezembro de 1901, às 20:45:52 UTC. Esse é o bug do ano 2038.”
Alguns problemas já foram identificados em sistemas que calculam datas de expiração. Além disso, em 2014, o videoclipe da música Gangnam Style, do cantor sul-coreano Psy quebrou o YouTube ao atingir 2.147.483.647 visualizações, contagem máxima à época.
O erro vai afetar principalmente bancos de dados; sistemas operacionais como Windows, Linux, Android e iOS; sistemas de dispositivos médicos ou controle industrial, como usinadas de energia, transporte; carros com sistemas de computador de bordo; roteadores, interruptores, sensores e aparelhos inteligentes; e programas escritos em linguagem C ou baseados nela.
Para evitar qualquer problema, basta usar sistemas com dados em formato de 64 bits, que garantem um intervalo de alguns bilhões de anos a mais; atualizar códigos, softwares e dispositivos com frequência; ou, para programadores, usar diferentes formatos de data e hora que não o Unix, como o ISO 8601.
Empresas como a Apple, por exemplo, criaram suporte de 64 bits em softwares como o macOS a partir de 2003, para garantir que o bug de 2038 não afete os usuários. Programas antigos que ninguém se lembra de atualizar ou testar, porém, devem vivenciar a ‘volta no tempo’.
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Crise do Y2K
Segundo a revista Time, só é possível rir do ‘bug do milênio’ dos anos 2000 (ou Y2K, termo que abrevia ‘year 2000’) hoje, pois, àquela época, as empresas tecnológicas que estavam nos bastidores levaram a ameaça a sério — e gastaram muito dinheiro para tentar evitá-la.
“A crise do Y2K não aconteceu precisamente porque as pessoas começaram a se preparar para ela com mais de uma década de antecedência”, conta um especialista ouvido pela publicação americana. “Indústrias e empresas não gastam US$ 100 bilhões ou dedicam esses recursos de pessoal a um problema que acham que não é sério”, afirma outro.
Alguns sistemas de fato se confundiram à época, como o de uma videolocadora americana que cobrou mais de US$ 91 mil de multa por um atraso de cem anos.
Algumas das correções feitas por programadores que dedicaram anos da própria vida no tópico, porém, são usadas até hoje para manter sistemas de computadores em funcionamento.
Saiba Mais