
Pesquisadores do Hospital Universitário de Bonn, na Alemanha, desenvolveram uma técnica inédita para cirurgias de prolapso uterino (quando há o deslocamento do útero na direção da vagina) envolvendo robótica. O estudo-piloto utilizou o sistema cirúrgico via robô Da Vinci em combinação com o tendão semitendinoso — músculo entre a coxa e a perna —, frequentemente empregado em procedimentos ortopédicos. Os resultados apontaram segurança, eficácia e significativa redução dos sintomas das pacientes. O estudo foi publicado no International Urogynecology Journal.
O sistema Da Vinci é formado por uma console, em que o cirurgião opera e os braços robóticos executam os movimentos com alta precisão. São eles que, equipados com instrumentos cirúrgicos miniaturizados, permitem uma bordagem minimamente invasiva. O cirurgião fica sentado e enxerga as imagens em 3D e com alta definição de dentro do corpo do paciente. Com as mãos, ele conduz os controles. Na ginecologia, o robô é indicado em casos de endometriose, miomectomia e histerectomia, agora há a inovação em diagnósticos de prolapso uterino.
Associado à ferramenta, há o uso do músculo do tendão considerado padrão-ouro em cirurgias ortopédicas devido à rápida regeneração, agora adaptado à ginecologia. A robótica permite maior precisão em áreas delicadas, como a dissecção nervosa no ligamento longitudinal anterior, na região da púbis. O chefe da Divisão de Uroginecologia do Departamento de Ginecologia e Oncologia Ginecológica do Hospital Universitário de Bonn (UKB), Dominique Könsgen-Mustea, diz que com o robô DaVinci, a imagem 3D altamente ampliada ajuda bastante na realização da cirurgia com mais exatidão. Segundo ele, isso torna a cirurgia menos invasiva e sem sangramentos.
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De acordo com o médico, o tendão semitendinoso facilita a absorção pelo organismo, reduzindo as chances de rejeição. Para Leonardo Campbell, mestre e especialista em robótica aplicada à obstetrícia e à ginecologia, a cirurgia representa melhora na preservação da função sexual e uma menor taxa de recorrência do prolapso uterino. "Como exemplo, a utilização do robô, com suas pinças precisas e delicadas, também permite realizar a manipulação do tendão semitendinoso (objetivo da pesquisa em questão) preservando sua capacidade tênsil, para a suspensão dos órgãos pélvicos, como demonstrado no estudo", ressalta.
Resultados
Entre junho de 2022 e fevereiro de 2023, 10 pacientes com prolapso apical em estágio avançado, que não responderam a tratamentos conservadores, foram submetidas ao procedimento utilizando robótica e o tendão semitendinoso. Após 12 meses, a resposta foi positiva, sem complicações graves, reforçando a segurança da técnica. Com essas mulheres, foram combinados a remoção do tendão semitendinoso do joelho esquerdo da própria mulher com a inserção no tecido pélvico, tudo com ajuda do robô Da Vinci. Foi ele que posicionou o tendão de forma precisa, preservando nervos e outras estruturas. Após três meses da cirurgia, elas relataram melhora significativa nos sintomas de prolapsos e na função da bexiga e 90% estavam satisfeitas com o ganho na qualidade de vida. A técnica foi particularmente mais eficaz em pessoas obesas ou com bridas abdominais (formações fibrosas que se desenvolvem entre órgãos da cavidade abdominal ou entre esses órgãos e a parede abdominal), que em geral dificultam intervenções convencionais.
Para Leonardo Campbell, a possibilidade de resultados positivos é bastante grande, pois "a utilização de uma estrutura autóloga diminui a chance de rejeição como causa de falha no tratamento". Com essa técnica, o período de internação, em média, passa a ser de cinco dias, e elimina consideravelmente o risco de complicações do pós-operatório. Das 10 pacientes submetidas à nova abordagem, apenas uma apresentou hematoma na parede abdominal, tratado sem intercorrências. Campbell explica que esse avanço é devido "à precisão que a cirurgia robótica proporciona aliada à experiência dos cirurgiões, diminuindo os sangramento, a infecção e a lesão de estruturas adjacentes, situações que têm impacto a curto e a médio prazo na saúde da paciente".
Perspectivas
Segundo especialistas envolvidos na pesquisa, o uso do tendão como enxerto oferece várias vantagens em relação a outros materiais biológicos ou sintéticos. Com até 72% de regeneração em dois anos, ele minimiza riscos a longo prazo. Em comparação aos tratamentos tradicionais, como o uso de enxertos de fáscia abdominal ou sintéticos, os percentuais de rejeição podem chegar a 41%, tornando-os menos viáveis. A pesquisa também comparou resultados de técnicas cirúrgicas anteriores na área abdominal com a abordagem robótica, concluindo que a precisão do robô aprimora a execução de etapas delicadas, como dissecção nervosa e fixação do tendão.
Como um estudo-piloto, a análise reúne 10 pacientes, o que limita a generalização dos resultados. A equipe busca refinar a técnica para torná-la ainda mais acessível e eficaz. Pesquisas multicêntricas e prospectivas são necessárias para validar amplamente a técnica e explorar sua aplicação em populações mais diversas.
Os fatores que dificultam o acesso à tecnologia são de ordem econômica. Esse tipo de cirurgia é mais caro do que a convencional por causa da aquisição do equipamento a ser utilizado. Há, ainda, desafios relativos à precisão e confiabilidade do sistema Da Vinci devido às limitações na cinemática direta do robô gerada por medições imprecisas nas articulações. O neuropsicólogo Deibson Silva, da Faculdade de Medicina da USP, destaca os resultados do estudo-piloto. "A medicina pode evoluir para um modelo que prioriza a qualidade de vida e a redução de riscos, beneficiando pacientes em todo o mundo ao longo das próximas décadas."
Leonardo Campbell, ginecologista e obstétrico no Sírio-Libanês, mestre em Ciências da Saúde pela Escola Superior de Ciências da Saúde, Especialista em Ginecologia e Obstetrícia na Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia e mestrando na Universidade de Londres.
Três perguntas para...
Como a precisão dos robôs pode impactar os resultados a longo prazo em pacientes submetidas a essa cirurgia?
Há estudos clínicos que mostram a diminuição de complicações cirúrgicas, como sangramento, infecção, e lesão de estruturas adjacentes, situações que têm impacto a curto e a médio prazo na saúde da paciente. Os resultados dos estudos realizados até agora sugerem melhor preservação da função sexual e uma menor taxa de recorrência (retorno da situação clínica tratada) do prolapso pélvico. Como exemplo, a utilização do robô, com suas pinças precisas e delicadas, também permite realizar a manipulação do tendão semitendinoso (objetivo da pesquisa em questão) preservando sua capacidade tênsil, para a suspensão dos órgãos pélvicos, como demonstrado no estudo.
De que maneira o uso de robôs em procedimentos como esse pode alterar os protocolos clínicos tradicionais?
A integração do robô cirúrgico em protocolos clínicos para o tratamento do prolapso uterino é um passo a mais na consolidação da cirurgia minimamente invasiva para esse procedimento. Ao trazer todas as vantagens da cirurgia videolaparoscópica e adicionando a isso sua precisão e tecnologia, esperam-se evidências demonstrando uma relação custo-benefício cada vez mais favorável à utilização das plataformas cirúrgicas na cirurgia para o tratamento do prolapso uterino. Como pontos importantes da implementação da plataforma cirúrgica robótica temos já demonstrados: uma menor curva de aprendizado dos cirurgiões, menor taxa de complicações, tempo de hospitalização, e falha no tratamento.
Essa pesquisa demonstra um avanço biotecnológico, será que em breve poderá ser acessível a mais pacientes?
A medicina caminha cada vez mais para a otimização dos seus processos, buscando resultados clínicos e econômicos mais duradouros. O que a princípio pode parecer caro, deve reduzir o custo global da assistência a uma paciente com prolapso pélvico. Nesse estudo, o uso do tendão semitendinoso, localizado na face posterior da coxa e reimplantado na própria paciente, para possibilitar a sustentação dos órgãos pélvicos, levanta questões importantes. A primeira é a utilização de uma estrutura autóloga (ou seja, não é uma tela de material sintético, e não causa reação do tipo corpo-estranho), diminuindo a chance de rejeição como causa de falha no tratamento. A segunda é a diminuição do custo operacional, pois as telas sintéticas chegam a custar, por unidade, mais de US$ 1 mil. É um precedente importante para pesquisas que podem futuramente trazer avanços no tratamento do prolapso pélvico feminino.