
Quando Maria anunciou em casa que estava começando uma relação séria com as palavras, os pais não disseram nada. Mas, a sós, perguntaram, um ao outro, se poderiam fazer algo para evitar. A verdade é que ninguém está preparado para lidar com certas escolhas dos filhos, seus gostos, relacionamentos. E, logo com quem, palavras! Não são confiáveis. Por natureza. Algumas são, mesmo, terrivelmente traiçoeiras.
Não é preconceito, mas fruto da experiência no puro sentido da palavra. Afinal, havia histórias na família. Acidentes: gente que tropeçara nas próprias palavras. Maus negócios: familiares prejudicados pela palavra empenhada. Violência: gente forçada a engolir as palavras lançadas em momento de grande emoção. Vilanias, de parentes que traíram a palavra firmada.
Fonte de decepções, o que não faltam, nesse mundo de arbitrariedades, são palavras vazias, ou, pior, palavras vãs. Para fazer justiça, escritores canônicos já advertiam, há dois séculos, sobre a dificuldade em encontrar uma palavra justa.
Por tudo isso, era certeza, para o casal, de que as palavras representam uma escolha arriscada. Compromisso com elas, então, seria um erro grave de Maria.
Afinal, desejavam o melhor para a filha. Palavra de honra. Mas existiria, para qualquer um, algo como a "palavra certa"?
Quando se erram as palavras, o que fazer? Em muitos ambientes, trocar palavras desmoraliza qualquer um; pode comprometer uma carreira, uma reputação. Por outro lado, não é raro que, em meio a um palavrório, alguém diga que gostaria de pedir a palavra e... acabe dando aos ouvintes uma palavrinha. Existem, porém, aqueles que, depois do compromisso público, renegam a palavra dada. Claramente, uma covardia, embora seja algo mais aceito, socialmente, do que sair por aí espalhando palavrões.
Há quem jogue palavras ao vento; e quem prefira guardar para si, mesmo que tenha de se contentar com meias-palavras. Há quem confie no que ficou apalavrado; e quem, de tanto acreditar nos outros, acabe ficando sem palavras.
Leia também: Cidade Nossa: O prazer de ler acompanhado
Leia também: Cidade Nossa: Hoje, me mandaram um coração branco
A essa altura, a leitora já deve ter notado que me faltam palavras para contar o que, finalmente, decidiram os pais de Maria, em relação ao meritório compromisso dela, tão nova, com essa coisa, esse troço, esse negócio aí de que estamos falando.
Entendo a frustração. Afinal, o cronista tem um compromisso de informar e entreter satisfatoriamente quem se põe a ler o seu palavreado, mesmo sem dizer muita coisa. Não chega a ser a sua palavra contra a dos outros, não se trata de uma competição; mas, ao apresentar a crônica, o autor só pode comemorar a palavra cumprida se apresentar uma história com começo, meio e fim. Ou, pelo menos, um bom meio que permita imaginar vários fins, ao gosto de quem o lê.
Pobre Maria, pobres pais, às voltas com palavras esquivas, talvez enganosas mesmo. Foram largadas no começo da crônica, sem nem uma palavra de consolo, pelo autor que descumpriu vergonhosamente sua obrigação. Perdão, leitora, perdão, leitor. Vivemos mesmo um tempo de tarefas inacabadas e desculpas esfarrapadas. Fazer o quê?
Cá para nós, nada pior que um jornalista... sem palavra. Tempos difíceis, estes, leitores. Não se pode confiar mais em ninguém.
Esportes
Esportes
Esportes