
Pouco conhecido, mas extremamente perigoso. O refluxo urinário — ou refluxo vesicoureteral (RVU) — é uma condição em que a urina, em vez de seguir o caminho normal dos rins para a bexiga e ser eliminada, faz o percurso contrário, voltando da bexiga para os ureteres e, em alguns casos, alcançando os rins. Se não tratado adequadamente, pode causar infecções urinárias recorrentes, danificar rins e ureteres ao longo do tempo, além de provocar hipertensão arterial e insuficiência renal.
A condição pode atingir crianças e adultos de formas diferentes. Segundo Ricardo Ferro, chefe do serviço de urologia do Hospital Brasília, esse quadro é mais comum no público infantil devido a alterações congênitas e até genéticas, afetando com maior frequência o sexo feminino. "Algumas crianças já nascem com essa válvula entre o rim e a bexiga malformada ou mais frágil. Isso é algo congênito, presente desde o nascimento, e não tem relação com hábitos ou cuidados dos pais. Em muitos casos, essa válvula se fortalece naturalmente conforme a criança cresce", relata.
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Dentro do cenário clínico, o refluxo pode ser primário ou secundário. No primário, o problema é congênito, um ou ambos ureteres não se desenvolveram adequadamente e a válvula entre ureter e bexiga não fecha corretamente, permitindo que a urina volte para os rins. Esse tipo é o mais comum e costuma aparecer em famílias que já têm casos anteriores. Muitas vezes, melhora naturalmente à medida que a criança cresce.
Já o secundário surge, geralmente, por obstruções urinárias ou alterações no funcionamento da bexiga, podendo ocorrer após infecções repetidas do trato urinário ou outros problemas relacionados. O refluxo também é classificado em graus de 1 a 5 conforme a gravidade. Quanto maior o grau, menor a chance de resolução espontânea e maior a necessidade de acompanhamento médico ou de intervenção. Essa classificação se aplica tanto ao refluxo primário quanto ao secundário e ajuda a orientar o tratamento adequado.
Mesmo sendo mais frequente nas crianças, Katharinne Inácio, urologista pediatra, afirma que os adultos também podem ser acometidos, geralmente como consequência de outros problemas, como aumento da próstata, obstruções na bexiga, cirurgias prévias e condições neurológicas que alterem o funcionamento do sistema urinário. Nessas situações, a pressão dentro da bexiga aumenta e o funcionamento das válvulas que impedem a urina de voltar aos ureteres é alterado, permitindo que ela siga o caminho contrário do normal.
Diagnóstico
O refluxo urinário pode ser suspeitado já no ultrassom, durante a gestação, ou identificado posteriormente por meio de exames de imagem e de urina. O ultrassom do trato urinário é o primeiro passo, mas em casos de suspeita ou infecções recorrentes podem ser realizados exames mais específicos, como a uretrocistografia miccional, que utiliza contraste e radiografias, ou a cistografia com radionuclídeos, que emprega menor radiação. Exames de urina também são essenciais para detectar infecções associadas ao quadro.
Sintomas
O refluxo urinário em si geralmente não causa sinais diretos. Os sintomas costumam aparecer quando há infecção do trato urinário (ITU), que pode incluir:
— Febre
— Dor abdominal ou nas costas
— Urina turva ou com odor forte
— Dor ou ardor ao urinar
— Aumento da frequência urinária
— Vômitos
— Irritabilidade
— Dor na lateral do corpo
— Em alguns casos, diarreia ou dificuldade para se alimentar, principalmente em crianças pequenas
Tratamento
O tratamento do refluxo urinário varia de acordo com a gravidade e as complicações associadas. Em casos leves, principalmente em crianças, muitas vezes não é necessária intervenção, já que o problema pode regredir espontaneamente com o crescimento. Nesses quadros, o acompanhamento médico regular é essencial para evitar complicações. Já nas situações mais graves, tanto em crianças quanto em adultos, podem ser indicados antibióticos preventivos para reduzir o risco de infecções recorrentes. Quando há ameaça de dano renal ou refluxo de maior intensidade, a cirurgia torna-se necessária. As opções vão desde procedimentos minimamente invasivos até a cirurgia aberta, ambas com bons índices de sucesso.
Prevenção
Embora não exista uma forma comprovada de prevenir o refluxo vesicoureteral, alguns cuidados ajudam a manter o trato urinário saudável e a reduzir complicações. Para as crianças, os pais devem garantir boa higiene, trocar as fraldas assim que estiverem sujas, incentivar o consumo de água e orientar para que urinem com frequência, além de tratar constipação e problemas de incontinência. Já para os adultos, hábitos como beber bastante líquido, não segurar a urina, manter higiene íntima adequada, praticar exercícios e seguir uma alimentação equilibrada também são aliados na saúde do trato urinário.
Palavra do especialista
O refluxo urinário pode afetar pessoas sem sintomas aparentes?
Pode, sim. O refluxo urinário pode ocorrer em pessoas que não apresentam sintomas visíveis. Muitas vezes, ele é leve e não causa dor ou desconforto, mas ainda pode resultar em complicações a longo prazo, como infecções urinárias recorrentes ou problemas renais futuros. Em alguns casos, o RVU é um achado acidental durante exames feitos para outras condições, como cálculos renais. Nesses casos, o diagnóstico geralmente ocorre mais tarde, quando já podem ter surgido complicações, incluindo cicatrizes renais ou até insuficiência renal, sendo essencial a avaliação especializada sempre que houver suspeita. Em bebês e crianças pequenas, as infecções urinárias são mais difíceis de identificar, pois os sintomas são menos específicos. Às vezes, o refluxo só é descoberto depois que outro membro da família recebe o diagnóstico, evidenciando o caráter muitas vezes silencioso da doença.
Há fatores de risco que aumentam os riscos de complicações, mesmo quando a criança ou o adulto parece saudável?
Sim. Alguns fatores podem aumentar a probabilidade de complicações no refluxo urinário, mesmo na ausência de sintomas. Entre eles, estão histórico familiar de refluxo ou doenças renais, alterações anatômicas no trato urinário, infecções urinárias recorrentes e anomalias congênitas. Outros fatores incluem disfunção da bexiga e intestino, que provoca retenção de urina e fezes, sexo atribuído ao nascimento. Avaliar esses fatores é fundamental, pois pode indicar a necessidade de monitoramento mais rigoroso, independentemente da presença de sintomas.
Qual é a ação mais importante que pais e adultos devem tomar imediatamente ao suspeitar de refluxo urinário?
Procurar orientação médica. Consultar um especialista, como nefrologista ou urologista, é fundamental para realizar um diagnóstico preciso e iniciar o tratamento adequado, se necessário. Não é motivo para desespero, pois existem tratamentos eficazes que podem prevenir complicações graves, como infecções renais ou doença renal crônica.
Lygia Louzada é médica nefrologista
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
Revista do Correio
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