
PHILLIPPE RUBINI, membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável da Presidência da República
Nos últimos dias, vivemos mais um capítulo intenso da geopolítica global. Sob os holofotes estão Brasil e Estados Unidos. De um lado, um país frequentemente rotulado como "emergente" ou "terceiro mundo"; do outro, a autodeclarada potência máxima, coroada imperadora do Ocidente — os Estados Unidos.
Um império que dita regras unilaterais ao mundo, define barreiras comerciais a seu bel-prazer e impõe sua vontade às empresas estrangeiras, estejam ou não em solo americano. E o mais irônico: esse país se denomina simplesmente "América". Ora, os portugueses chegaram aqui em 1.500 e apenas em 1620 o Mayflower com os primeiros colonos aportou em Plymouth, Massachusetts.
O chamado tarifaço, proposto pela gestão norte-americana, especialmente sob o discurso do presidente Donald Trump, transformou-se em arma geopolítica. Um verdadeiro jogo de pôquer, em que quem blefa mais alto parece dominar as cartas — e o mundo. Com discursos autoritários e jogadas agressivas, os Estados Unidos têm promovido conflitos diplomáticos, constrangimentos públicos e, em muitos casos, um silêncio humilhante das demais potências.
Enquanto guerras continuam a destruir vidas entre Rússia e Ucrânia, Israel e Palestina, o mesmo país que assume o papel de "guardião da ordem global" adota uma política externa baseada em interesses ideológicos e econômicos próprios. O critério agora é claro: quem pensa como Trump é amigo; quem deseja ser independente será punido.
O mais intrigante é como tantos países — inclusive, os mais ricos — aceitam tamanha humilhação diplomática. Por que não se impõem? Por que aceitam os blefes de um jogador que já demonstrou desprezo pelas regras multilaterais e pelos tratados históricos que construíram o comércio e a diplomacia moderna e que aposta tudo na lei do mais forte?
Como observou o diplomata e escritor Marcos Troyjo, estamos vivendo tempos de trumpulência. E o termo é perfeito. Negócios gigantescos estão sendo abandonados em nome de alianças voláteis e populistas.
A ironia é que esse mesmo modelo autoritário que os Estados Unidos criticam em países vizinhos agora mira o Brasil, condenando ações internas de nossas instituições, como se houvesse um monopólio moral sobre o que é democracia ou abuso de poder. É fato: nosso Judiciário tem, sim, ultrapassado limites, inclusive, constitucionais, muitas vezes tomando decisões monocráticas, questionáveis, afetando empresas estrangeiras — um comportamento que já extrapolou as fronteiras do aceitável. Não há consenso sequer dentro da própria estrutura judiciária sobre esses desmandos, demonstrando o tamanho da confusão.
Mas a correção de rumo deve vir de dentro. É responsabilidade nossa, como nação soberana, enfrentar os excessos institucionais com coragem e legalidade. Não cabe a outros países, por mais poderosos que se considerem, nos impor sanções ou interferências seletivas sob o pretexto de defender a democracia, quando, na prática, o que vemos é a instrumentalização política de princípios universais.
Algumas características do Brasil são esquecidas ou, até mesmo, ignoradas. Mais de 1,5 bilhão de pessoas são alimentadas, direta ou indiretamente, pelas exportações agrícolas brasileiras; o país detém 98% das reservas conhecidas de nióbio no mundo — mineral essencial para ligas metálicas de alta tecnologia; nossa matriz energética é mais de 85% renovável, uma das mais limpas e sustentáveis do planeta; somos a quarta maior democracia do mundo, com um mercado consumidor de 215 milhões de habitantes e papel central nas discussões sobre clima, segurança alimentar e transição energética; somos uma terra abençoada, capaz de combater o maior flagelo da humanidade: a fome.
Enquanto isso, países que se alinham ideologicamente com os EUA são privilegiados — mesmo que não respeitem princípios básicos de liberdade ou direitos humanos. Isso revela a hipocrisia de um autoritarismo que condena outros autoritarismos de acordo com a sua conveniência.
O Brasil é protagonista global, e não coadjuvante. Não devemos aceitar rótulos impostos por quem teme nosso potencial. Devemos sentar à mesa, participar das decisões, liderar pela diplomacia e pelo exemplo. Porque, no final, todos — inclusive, os grandes jogadores — querem o mesmo: prosperidade, dignidade e paz.
O futuro da humanidade passa pelo Brasil e seus recursos naturais. E nunca é demais lembrar que a América é grande demais para ter um só dono.