ARTIGO

A América não tem dono

O Brasil é protagonista global, e não coadjuvante. Não devemos aceitar rótulos impostos por quem teme nosso potencial. O futuro da humanidade passa pelo Brasil e seus recursos naturais

PRI-1708-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-1708-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

PHILLIPPE RUBINI, membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável da Presidência da República

Nos últimos dias, vivemos mais um capítulo intenso da geopolítica global. Sob os holofotes estão Brasil e Estados Unidos. De um lado, um país frequentemente rotulado como "emergente" ou "terceiro mundo"; do outro, a autodeclarada potência máxima, coroada imperadora do Ocidente — os Estados Unidos.

Um império que dita regras unilaterais ao mundo, define barreiras comerciais a seu bel-prazer e impõe sua vontade às empresas estrangeiras, estejam ou não em solo americano. E o mais irônico: esse país se denomina simplesmente "América". Ora, os portugueses chegaram aqui em 1.500 e apenas em 1620 o Mayflower com os primeiros colonos aportou em Plymouth, Massachusetts.

O chamado tarifaço, proposto pela gestão norte-americana, especialmente sob o discurso do presidente Donald Trump, transformou-se em arma geopolítica. Um verdadeiro jogo de pôquer, em que quem blefa mais alto parece dominar as cartas — e o mundo. Com discursos autoritários e jogadas agressivas, os Estados Unidos têm promovido conflitos diplomáticos, constrangimentos públicos e, em muitos casos, um silêncio humilhante das demais potências.

Enquanto guerras continuam a destruir vidas entre Rússia e Ucrânia, Israel e Palestina, o mesmo país que assume o papel de "guardião da ordem global" adota uma política externa baseada em interesses ideológicos e econômicos próprios. O critério agora é claro: quem pensa como Trump é amigo; quem deseja ser independente será punido.

O mais intrigante é como tantos países — inclusive, os mais ricos — aceitam tamanha humilhação diplomática. Por que não se impõem? Por que aceitam os blefes de um jogador que já demonstrou desprezo pelas regras multilaterais e pelos tratados históricos que construíram o comércio e a diplomacia moderna e que aposta tudo na lei do mais forte?

Como observou o diplomata e escritor Marcos Troyjo, estamos vivendo tempos de trumpulência. E o termo é perfeito. Negócios gigantescos estão sendo abandonados em nome de alianças voláteis e populistas.

A ironia é que esse mesmo modelo autoritário que os Estados Unidos criticam em países vizinhos agora mira o Brasil, condenando ações internas de nossas instituições, como se houvesse um monopólio moral sobre o que é democracia ou abuso de poder. É fato: nosso Judiciário tem, sim, ultrapassado limites, inclusive, constitucionais, muitas vezes tomando decisões monocráticas, questionáveis, afetando empresas estrangeiras — um comportamento que já extrapolou as fronteiras do aceitável. Não há consenso sequer dentro da própria estrutura judiciária sobre esses desmandos, demonstrando o tamanho da confusão.

Mas a correção de rumo deve vir de dentro. É responsabilidade nossa, como nação soberana, enfrentar os excessos institucionais com coragem e legalidade. Não cabe a outros países, por mais poderosos que se considerem, nos impor sanções ou interferências seletivas sob o pretexto de defender a democracia, quando, na prática, o que vemos é a instrumentalização política de princípios universais.

Algumas características do Brasil são esquecidas ou, até mesmo, ignoradas. Mais de 1,5 bilhão de pessoas são alimentadas, direta ou indiretamente, pelas exportações agrícolas brasileiras; o país detém 98% das reservas conhecidas de nióbio no mundo — mineral essencial para ligas metálicas de alta tecnologia; nossa matriz energética é mais de 85% renovável, uma das mais limpas e sustentáveis do planeta; somos a quarta maior democracia do mundo, com um mercado consumidor de 215 milhões de habitantes e papel central nas discussões sobre clima, segurança alimentar e transição energética; somos uma terra abençoada, capaz de combater o maior flagelo da humanidade: a fome.

Enquanto isso, países que se alinham ideologicamente com os EUA são privilegiados — mesmo que não respeitem princípios básicos de liberdade ou direitos humanos. Isso revela a hipocrisia de um autoritarismo que condena outros autoritarismos de acordo com a sua conveniência.

O Brasil é protagonista global, e não coadjuvante. Não devemos aceitar rótulos impostos por quem teme nosso potencial. Devemos sentar à mesa, participar das decisões, liderar pela diplomacia e pelo exemplo. Porque, no final, todos — inclusive, os grandes jogadores — querem o mesmo: prosperidade, dignidade e paz.

O futuro da humanidade passa pelo Brasil e seus recursos naturais. E nunca é demais lembrar que a América é grande demais para ter um só dono.

 

Por Opinião
postado em 17/08/2025 06:00
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