
ANDRÉ GUSTAVO STUMPF, jornalista
O mundo enlouquece de quando em quando. O Brasil não fica atrás. Também tem seus acessos de loucura, mais ou menos sincrônicos com os problemas que afetam o grande vizinho do norte. Os norte-americanos viveram o desastre da queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929, o que aqui correspondeu à Revolução de Trinta, depois que os mecanismos oficiais fracassaram em remediar os problemas daquela época difícil. Nos momentos anteriores à Segunda Guerra Mundial, surgiu no país o movimento integralista, que reuniu milhares de correligionários, vestidos de camisa verde, com o sygma, desenhado na manga da camisa. Eles desfilavam por grandes cidades do país, anunciando a vitória, em breve, do nazismo na Europa e das novas forças políticas no Brasil.
Falar em integralismo hoje é pesquisar na história. Ninguém gosta de lembrar que o padre Helder Câmara foi integralista, entre outros muitos conhecidos. E até Vinicius de Moraes, que se transformaria em poeta e seresteiro, teve seu chamego com a doutrina autoritária estimulada por nazistas, fascistas e empresários poderosos da época. O integralismo prosperou sob o comando de Plínio Salgado, paulista de São Bento do Sapucaí, cujo prestígio não se combinava com sua figura. Ele era baixinho, olhos tristes, orelhudo e bigode estilo escova de dentes. No palanque, contudo, era o arrebatador das massas, o líder, o grande orador. “Se a geração velha não soube acreditar em coisa alguma e sucumbiu no pântano dos imediatismos, a nova geração saberá crer! E, se isto é loucura, bendita a loucura sagrada que salva as pátrias do bom senso que as destrói, enxovalha e avilta!”
Por ação natural da política, surgiu a Aliança Nacional Libertadora, em 1935, uma espécie de frente ampla que se contrapunha à ascensão do nazismo. A ANL era composta por socialistas, comunistas, tenentistas, sindicalistas, liberais, reformistas, sociais democratas, marxistas teóricos e antifascistas, além de políticos rompidos com o caudilhismo de Getúlio Vargas. Seus adeptos conseguiram fazer o movimento crescer muito em todo o país. Em uma de suas grandes assembleias, o estudante Carlos Frederico Werneck de Lacerda, 21 anos, lançou o nome de Luiz Carlos Prestes para comandar o movimento. Prestes estava exilado em Moscou desde 1931. Não poderia estar presente no movimento. Mas seu nome foi aclamado. Seria a garantia de que a ANL atuava em todo o território nacional e era conhecida dentro e fora do país.
Getúlio Vargas extinguiu, por decreto, os dois movimentos. Implantou uma ditadura feroz que iria perdurar até 1945, quando terminou a Segunda Guerra. Ao longo desse período ainda ocorreu o levante dentro das Forças Armadas que ganhou do poderoso homem de imprensa, Assis Chateaubriand, criador dos Diários Associados, a designação de Intentona Comunista. Seus principais líderes foram presos, inclusive Prestes, que estava escondido numa casa no Méier, rua Honório 279, no dia 6 de março de 1936. Ele foi levado para a Polícia Central, na rua da Relação, onde iniciaria um longo período de prisão. Sua companheira, Olga Benário, foi para a Casa da Detenção, no Estácio. Nunca mais se viram. Ela morreu em campo de concentração na Alemanha.
O bolsonarismo representa a repetição da história, sem qualquer grandeza. Nele não há sequer o brilho dos grandes discursos, das citações surpreendentes ou da gesticulação teatral. Tudo é muito raso. É a iniciativa dos pascácios, dos idiotas que se levantam de tempos em tempos ao sul do Equador em nome de alguma narrativa razoável. Nos anos trinta, contudo, ninguém teve a audácia de tramar contra o país no exterior. Havia espiões nazistas no Brasil, ou políticos favoráveis às ações de Berlim, mas não há registros de pessoa que se passou para o adversário com objetivo de prejudicar seu país. Essa é a novidade. Os meninos Bolsonaro trabalham contra o país na suposta defesa de seu papai, que, como está largamente comprovado, conspirou contra as instituições nacionais.
O tempo vai solucionar essas questões, embora o governo brasileiro, em especial o ministro Fernando Haddad, relute em reconhecer a tensão entre Brasília e Washington e ainda tente negociar o inegociável, neste momento. Buscar alternativas nos mercados dos países com os quais o Brasil mantém boa relação é a melhor solução para a emergência do momento. Não há como dialogar com um presidente dos Estados Unidos que entende ser o Brasil um país comunista, onde se exerce uma feroz ditadura. Muito diferente da Coreia do Norte e de El Salvador, dois países democráticos, segundo o Departamento de Estado. A sabedoria é deixar o tempo passar. Ele se encarrega de recolocar os temas nos seus devidos lugares. Os extremismos perdem sempre.
Quem quiser saber mais sobre o Brasil dos anos trinta e quarenta, precisa ler o delicioso Trincheira tropical, a Segunda Guerra Mundial no Rio, Ruy Castro, Companhia das Letras.