SOCIEDADE

Caminhos do nascimento: falta de maternidades obriga mães a longas viagens

O direito à vida e à saúde materna são assegurados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela Constituição de 1988. Contudo, a realidade brasileira demonstra que esses direitos são atravessados por desigualdades estruturais, penalizando desproporcionalmente populações vulneráveis

Publicada nesta semana em formato multimídia, a série
Publicada nesta semana em formato multimídia, a série "Caminhos do nascimento", disponível no site do Correio Braziliense, revela um sistema de saúde em que o ato natural de dar à luz se torna um desafio para milhares de gestantes - (crédito: CB)

A jornada da maternidade no Brasil, que deveria ser um momento de celebração pela chegada do bebê, muitas vezes se transforma em uma verdadeira odisseia, marcada por obstáculos geográficos, estruturais e, em última instância, pela negação de direitos fundamentais.

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Publicada nesta semana em formato multimídia, a série Caminhos do nascimento, disponível no site do Correio Braziliense, expõe essa realidade alarmante, revelando um sistema de saúde em que o ato natural de dar à luz se torna um desafio para milhares de gestantes.

Durante 40 dias, ao lado das jornalistas Jaqueline Fonseca, Aline Gouveia e Raphaela Peixoto, entrevistamos mais de seis dezenas de pessoas para mostrar como a ausência de maternidades em mais da metade dos municípios brasileiros força gestantes a percorrerem longas distâncias, transformando o transporte, seja por terra, ar ou água, em uma ponte entre o direito e a exclusão.

Essa peregrinação não é apenas um inconveniente, mas um risco palpável: pesquisas da FGV e da Fiocruz apontam que a necessidade de viajar para o parto eleva em 0,5 ponto percentual a probabilidade de mortalidade neonatal. Imagine o estresse, o desconforto e a incerteza que acompanham as mães, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, onde deslocamentos de mais de 290km e 30 horas de viagem em estradas precárias ou de barco são uma realidade?

Os exemplos são chocantes: gestantes da Amazônia enfrentam sete horas em voadeiras por rios, enquanto em Fernando de Noronha, desde 2004, a única maternidade desativada obriga futuras mães a um voo de 500km até o Recife no sétimo mês de gravidez. No Entorno, a sobrecarga é evidente, com um a cada quatro partos na capital federal sendo de mulheres goianas, evidenciando a falha na regionalização e articulação dos serviços.

A consequência mais dramática dessa falha estrutural é o nascimento fora do ambiente hospitalar. Embora a atuação de heróis como os bombeiros do DF, com incríveis 5.557 partos nos últimos sete anos, e os policiais rodoviários e militares seja louvável e vital, ela não deveria ser a norma. A capacidade desses profissionais não pode maquiar a deficiência de um sistema que força essas situações.

A necessidade de ações mais robustas é clara. As recomendações dos especialistas ecoam a importância de ampliar unidades obstétricas, fortalecer a regionalização, investir em transporte sanitário eficiente e garantir um pré-natal eficaz com casas de apoio para gestantes de alto risco. A formação de profissionais e a integração entre os diferentes níveis de atenção à saúde são as bases para um futuro mais digno.

O direito à vida e à saúde materna são assegurados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela Constituição de 1988. Contudo, a realidade brasileira demonstra que esses direitos são atravessados por desigualdades estruturais, penalizando desproporcionalmente populações vulneráveis. Convido a todos a lerem a série Caminhos do nascimento. Não estamos tratando apenas de saúde pública, mas de justiça social.

postado em 15/08/2025 06:05
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