ARTIGO

O desafio coletivo da saúde mental nas escolas

A escola desponta como uma parceira extremamente importante das famílias para estabelecer regras claras e contextualizadas de uso e desenvolver uma educação digital crítica

A escola se destaca como ambiente prioritário para a promoção da saúde mental -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
A escola se destaca como ambiente prioritário para a promoção da saúde mental - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

MÁRCIA KALVON — diretora-executiva do Infinis (Instituto Futuro é Infância Saudável); AMANDA GREGÓRIO analista sênior do Infinis

"Transformar a saúde mental da juventude é, em última instância, transformar o futuro das sociedades". Essa é uma reflexão do artigo de abertura da mais recente publicação da Stanford Social Innovation Review Brasil (SSIR) sobre saúde mental e o desafio coletivo nas escolas. Em um país com cerca de 47 milhões de alunos entre o ensino fundamental e o médio, a afirmação resume bem a urgência e o potencial de impacto de um debate que precisa continuar sendo endereçado no Brasil.

Em função do Dia Internacional da Juventude, nesta terça-feira, foi realizada no Congresso Nacional, em Brasília, uma mesa redonda para discutir o tema de forma intersetorial. O maior diferencial do evento foi reunir coletivos de jovens com tomadores de decisão, como o deputado federal José Airton, secretário da Primeira Infância, Infância, Adolescência e Juventude da Câmara. 

Incluir essa pauta em um dia de celebrar a juventude não foi uma escolha à toa. De acordo com uma pesquisa realizada pelo psiquiatra norte-americano Ronald C. Kessler, da Universidade de Harvard, cerca de 50% dos casos de transtorno mental têm início antes dos 15 anos. A adolescência é uma fase crítica e de alta vulnerabilidade, com mudanças fisiológicas da puberdade e impacto na regulação emocional. Em contrapartida, esse momento também oferece um grande potencial de prevenção, mas, para isso, exige uma nova cultura de cuidado que vá além do diagnóstico, com escuta qualificada e políticas públicas integradas que promovam o bem-estar nos espaços onde os jovens vivem, estudam, trabalham e interagem.

Nesse sentido, a escola se destaca como ambiente prioritário para a promoção da saúde mental. É o espaço onde as crianças e os adolescentes passam boa parte dos seus dias, não apenas para aprender português ou matemática, mas também para construir suas identidades, conviver em sociedade e se formar integralmente enquanto cidadãos.

A experiência mostra que programas estruturados em escolas podem reduzir fatores de risco, melhorar o clima no ambiente de educação e fortalecer os vínculos entre os jovens e a comunidade escolar. Com a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), por exemplo, ficou estabelecido o desenvolvimento de habilidades socioemocionais em todos os níveis da educação básica. Já o Programa Saúde na Escola (PSE), do Ministério da Educação (MEC), também é um exemplo importante por incluir a saúde mental e a prevenção às violências como prioridade. Assim como a aprovação da Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares (Lei 14.819/2024), ferramenta que amplia o horizonte dessa atuação integrada.

Não podemos esquecer aqueles que vivem a realidade escolar todos os dias. A escuta e o protagonismo infantojuvenil precisam deixar de ser apenas discursos simbólicos e passar a orientar as políticas públicas voltadas para essa etapa do desenvolvimento. Quando ouvidos de forma qualificada, eles ajudam a construir respostas mais conectadas com a realidade dos territórios escolares e ampliam a potência de ações intersetoriais. 

Outro aspecto que não pode ser ignorado é o impacto das telas no bem-estar mental de crianças e adolescentes, que passam muito tempo conectados. Como mostra a publicação recente do 6º Fórum de Políticas Públicas da Saúde na Infância, um trabalho liderado pelo psiquiatra Rodrigo Bressan indicou que o tempo médio que os jovens acompanhados pelo estudo passam no TikTok diariamente é de 4 horas e 37 minutos, com picos de acesso durante a madrugada. Já o psicólogo social norte-americano Jonathan Haidt, autor de Geração ansiosa, explicita como o aumento do uso de smartphones coincide com a elevação nos índices de suicídio e autolesão entre os jovens, em diversos países do mundo. Além de substituir cada vez mais o tempo e espaço dedicados à socialização presencial e às brincadeiras ao ar livre, esses dispositivos são fontes frequentes de distração, a partir de aplicativos com características altamente viciantes, estimulando o uso passivo e prolongado.

A resposta para esse problema precisa ser multidimensional, e a escola desponta como uma parceira extremamente importante das famílias para estabelecer regras claras e contextualizadas de uso e desenvolver uma educação digital crítica, capaz de formar jovens mais conscientes dos efeitos da exposição online e preparados para fazer escolhas mais saudáveis.

Na semana em que comemoramos o Dia Internacional da Juventude, mais do que celebrar, é tempo de reafirmar compromissos. Com o direito à saúde mental como norte, famílias, comunidade escolar e tomadores de decisão devem atuar de forma integrada, sempre levando em consideração a escuta ativa de crianças e adolescentes. Só assim, teremos políticas públicas realmente efetivas para aqueles que são, ao mesmo tempo, protagonistas e vítimas de um mundo em transformação. O futuro do país que queremos passa pela promoção de uma infância saudável e equitativa. E o futuro é agora.

 

 

Por Opinião
postado em 15/08/2025 06:03
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