
É como se o Estádio Nacional Mané Garrincha estivesse com quase 90% de sua ocupação máxima. Só que, ao invés de torcedores, os assentos estivessem ocupados por cadáveres. Ou como se a população de Brazlândia tivesse sido totalmente dizimada. Talvez muitos brasilienses tenham a exata noção do que ocorre na Faixa de Gaza quando a realidade de lá é adaptada à daqui. Mais de 60 mil palestinos foram assassinados desde 7 de outubro de 2023. Isso representa 2,6% do total da população da Faixa de Gaza — em média, 89 mortos a cada 24 horas. Sem contar o número de feridos e de desaparecidos, ainda sob os escombros de prédios bombardeados.
O que Israel faz na Faixa de Gaza tem nome: genocídio. A conclusão não é minha, mas de especialistas e de duas organizações não governamentais israelenses. É uma vergonha que a humanidade assista a esse horror calada, com raras exceções, sem lançar mão de vários mecanismos de pressão. A imposição da fome generalizada não apenas visa mortes em massa, como busca arrancar de cada palestino o que lhe resta de dignidade e de esperança.
Outra vítima de Israel é a verdade. Para impedir que a barbárie chegue aos olhos da população mundial, o Estado judeu decidiu matar jornalistas. Na noite de domingo, seis repórteres e cinegrafistas da rede de TV Al-Jazeera foram mortos em um bombardeio a uma tenda usada pela imprensa, diante do Hospital Al-Shifa. A desculpa tem sido recorrente: o Exército israelense sempre encontra uma maneira de jogar a culpa sobre o movimento fundamentalista islâmico Hamas. Dessa vez, anunciou que Anas Al-Sharif, correspondente da Al-Jazeera, era terrorista do Hamas disfarçado de jornalista. Acontece que mais de 200 profissionais da imprensa tiveram a vida arrancada por Israel desde 7 de outubro de 2023.
Passou da hora de dar um basta nessa insanidade. Para interromper o genocídio em Gaza, é preciso um misto de coragem e de ação política. Atitudes convenientes e covardes, como as do presidente Donald Trump, apenas legitimam os massacres perpetrados por Israel. Quando a força do dinheiro cala o grito pela paz, a humanidade morre aos poucos. Imagino o futuro que Israel cultiva para si: sua guerra de vingança formará batalhões de extremistas também sedentos de vinganca. Crianças que perderam os pais, jovens que enterraram os irmãos, pais que seguraram os corpos dos filhos em mortalhas.
Espero que o sistema de Justiça Internacional seja implacável e aja com extremo rigor ao julgar os crimes cometidos por Netanyahu e seus comandados. Não se impõe morte, horror, fome, tortura psicológica e luto a 2,3 milhões de pessoas e se escapa, incólume. Netanyahu precisará pagar. Líderes estrangeiros que fecharam os olhos para o morticínio não passam de cúmplices. Também espero que sejam julgados pela história. De olhos fundos e marcados pelo medo, e de estômago vazio, Gaza clama por piedade.