Visão do Correio

Adultização deve impulsionar debate sobre o Marco Civil

Para além de uma maior conscientização dos pais, é preciso cobrar as redes e fomentar, mais uma vez, o debate em torno da revisão do Marco Civil da Internet

. -  (crédito: Reprodução/Egonetix_xyz por Pixabay)
. - (crédito: Reprodução/Egonetix_xyz por Pixabay)

São cerca de 30 milhões de visualizações em menos de uma semana. O youtuber Felipe Bressanim Pereira, conhecido digitalmente como Felca, pautou o agendamento midiático nos últimos dias ao discutir, em um vídeo de cerca de 50 minutos, a adultização de crianças e adolescentes por meio das redes sociais. O conteúdo gerou debates fora das redes, e chegou ao Congresso Nacional, onde o presidente da Câmara, Hugo Motta, se comprometeu a priorizar projetos que tratam da temática nas próximas semanas. 

Um levantamento feito pela Palver, empresa especializada em monitoramento e análise das redes sociais, mostra que a repercussão alcançou um volume até mesmo superior à eventual taxação do Pix impulsionada pelo deputado federal Nikolas Ferreira. Os números são representativos para mapear como o problema supera qualquer polarização política: 50% das repercussões mantiveram-se sem identificação ideológica, tratando o caso de maneira despolitizada.

Mas, por que a discussão chamou tanta atenção? Basta conviver com uma criança ou um adolescente nos dias de hoje para perceber uma flagrante dependência das redes sociais que os deixa mais vulneráveis a situações que não deveriam fazer parte do cotidiano deles: consumismo, busca por  status social e o anseio pela definição de uma identidade em um momento de formação, não de demarcação. 

Como explica a psicoterapeuta Maria Carol Pinheiro, a neurociência define a infância e a adolescência como um período fundamental para a chamada janela de oportunidade de aprendizado. É nesse período em que há maior facilidade para absorver novas habilidades, como aprender idiomas. Ao mesmo tempo, é quando se desenvolve a maior parte dos problemas de saúde mental manifestados anos depois. Transtornos de ansiedade e depressão são cada vez mais diagnosticados entre brasileiros, incluindo jovens e adolescentes. Daí a importância de os pais monitorarem, cada vez mais de perto, aquilo que os filhos consomem nas redes sociais. 

Em primeiro lugar, é preciso entendê-las como um espaço mercadológico, não como um blog pessoal. Há muita gente se expondo nas redes em busca de dinheiro, vivendo a depender do conteúdo propagado, do alcance obtido em cada postagem. Trata-se, portanto, de um espaço amplamente disputado. Se os algoritmos criam vícios à audiência, crianças e adolescentes, até mesmo pela falta de experiência de vida, formam o público mais vulnerável ao consumismo descontrolado e à exploração de conteúdos rasos perigosos, que encontram terreno fértil na janela de oportunidade do aprendizado.

Além disso, há a criminalidade. Redes sociais estão lotadas de pessoas em busca de vítimas em potencial. Parte delas se manifesta a partir dos golpes, outra fatia por meio do aliciamento, e uma terceira porção já deixou as profundezas da deep web para habitar o Instagram: os pedófilos. Quando crianças e adolescentes acessam as redes sem qualquer monitoramento são vítimas em potencial desses criminosos. Não é por acaso que a Austrália, recentemente, proibiu o acesso de menores de 16 anos a esses sites. 

Aqui, para além de uma maior conscientização dos pais, é preciso cobrar as redes e fomentar, mais uma vez, o debate em torno da revisão do Marco Civil da Internet. Não se trata de censura, mas se as big techs oferecem tantos serviços com uso dos algoritmos, derrubando, por exemplo, conteúdos que ferem os direitos autorais de artistas, como não conseguem mapear os criminosos que as habitam?

 

 

Por Opinião
postado em 13/08/2025 06:00
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