
Carlos Bocuhy — presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)
No fim de julho, uma conferência inovadora ocorreu na Universidade de Exeter, no Reino Unido, para analisar os pontos de não retorno, os tipping points planetários. Participaram 200 especialistas em riscos globais e impactos climáticos. Ao final, os cientistas admitiram que a sobrevivência futura da humanidade dependerá da superação da crise climática. Como produto, redigiram apelo aos formuladores de políticas globais, especialmente aos líderes da cúpula climática COP30, que ocorrerá no Brasil em novembro.
"Os riscos de pontos de inflexão globais são reais e as consequências, catastróficas. Se esperarmos até sentirmos os impactos, saberemos também que já é tarde demais para agir", afirmou Mike Barrett, conselheiro científico do WWF. "Em última análise, é uma questão de sobrevivência", afirmou Tim Lenton, do Instituto de Sistemas Globais da Universidade de Exeter.
O documento aponta a possibilidade de efeito cascata de vários pontos de inflexão, que poderiam disparar efeito dominó. Entre estes, o risco de morte da Floresta Amazônica devido à mudança climática e ao desmatamento, assim como o colapso da Circulação Meridional do Atlântico (AMOC), que devastaria o noroeste da Europa com invernos extremos e comprometeria a segurança alimentar e hídrica global. As consequências seriam catastróficas para bilhões de pessoas.
A alteração das correntes marítimas passou a ser objeto de preocupação também no Atlântico Sul, na região da Antártida. O derretimento da massa de gelo polar está provocando recirculação das águas profundas mais quentes, devido à diferença de salinidade, o que aquece a região e está acelerando seu derretimento, provocando liberação de carbono.
Estamos ingressando em um momento histórico que exige capacidade de governança ambiental. O modelo de governança global para enfrentar essas ameaças é urgente e deverá ser eficiente, com capacidade multissetorial e integradora, alinhada com princípios de sustentabilidade. Segundo o Instituto Max Planck, "um desafio definidor da ciência futura é integrar as descobertas de diferentes disciplinas sobre as questões humanas prementes de mudança climática, crise de biodiversidade, superexploração de recursos naturais e persistência sustentável das comunidades humanas".
Lamentavelmente, até que essa mudança se concretize, continuarão a ocorrer distúrbios globais pela ânsia de lucratividade com má gestão do meio ambiente, a exemplo dos tumultos mercantilistas protagonizados por Donald Trump e pelo próprio Congresso Nacional do Brasil, nas atuais iniciativas de desmantelar o licenciamento ambiental.
A má governança, associada aos interesses econômicos predatórios, segue impulsionada como continuidade de aceleração econômica insustentável da era pós-industrial. Continuará a destruir sistemas vitais até ser contida pela necessidade de sobrevivência das espécies, dos ecossistemas e da própria sobrevida humana.
A pergunta é se o limite de suporte planetário restante será suficiente para manter vida planetária com qualidade. Essa questão está profundamente ligada aos direitos humanos e gerou duas decisões recentes, da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e do Tribunal Internacional de Justiça da ONU.
As Cortes fazem, respectivamente, recomendações sobre as obrigações dos Estados signatários para agir e apontam responsabilização caso continuem a contribuir para o caos planetário que vem se instalando.
Essas posições quebram o silêncio das Cortes internacionais preenchendo o vazio de quase dois séculos, desde o período da revolução industrial, que deixou impunes empresas e Estados produtores de combustíveis fósseis.
A fusão entre meio ambiente, clima e direitos humanos ganhou um enlace internacional imprescindível. O Tribunal Internacional de Justiça da ONU se manifestou sobre em que medida as emissões constituem ato ilícito, reafirmando o princípio de que um Estado pode ser responsabilizado por não limitar a quantidade de emissões causadas por atores privados sob sua jurisdição.
Essa posição certamente possibilitará novas estratégias jurídicas que poderão mudar a capacidade de reação da sociedade humana em defesa de seus direitos.
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