ARTIGO

Tarifaço pode impactar gestão de recursos públicos para a saúde

Uma possível política de reciprocidade do Brasil em resposta às tarifas americanas pode aumentar os custos dos produtos de saúde em 25% a 30%, pressionando ainda mais os orçamentos públicos já apertados

Opinião 1308 -  (crédito: Caio Gomez)
Opinião 1308 - (crédito: Caio Gomez)

André Giordano Neto superintendente corporativo da Fundação Zerbini

A política comercial adotada pelo governo dos EUA com o objetivo de proteger a indústria norte-americana sem dúvidas cria temores e desconforto na dinâmica econômica mundial e, consequentemente, na gestão dos recursos públicos em setores essenciais. A imposição de uma pesada tarifa de importação sobre uma grande quantidade de produtos brasileiros, onerando em 50% o seu preço, produz efeitos imediatos sobre os setores que mais exportam para os Estados Unidos e, dependendo das reações do governo brasileiro, com as negociações, tardias e que ainda estão em curso, pode afetar também aqueles que dependem da importação, como a saúde. O cenário pode piorar caso o governo brasileiro opte por uma política de retaliação, aplicando a Lei da Reciprocidade Econômica, caminho com o qual não concordo, pois acredito que, se essa for a decisão, não sabemos qual o curso que esse processo poderá tomar. Sou favorável à negociação, ao diálogo, à diplomacia.

No setor de saúde, o Brasil exportou para os Estados Unidos em 2024 cerca de US$ 1,2 bilhão, contemplando produtos médico/hospitalares, odontológicos, de laboratório etc., um volume bem menor que o exportado por outros setores da economia, mas relevante para a consolidação das empresas nacionais. A importação, porém, chegou perto dos US$ 10 bilhões no ano passado, 60% dos quais em produtos destinados ao mercado público, representado pelas instituições filantrópicas e, principalmente, pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Notamos com essas cifras que a nossa dependência, no setor da saúde, para os EUA é bem maior que a dependência dos Estados Unidos por nossos produtos. Uma desproporção enorme, daí a necessidade de todo o cuidado, técnica e diplomacia nas negociações.

Uma possível política de reciprocidade do Brasil em resposta às tarifas americanas pode aumentar os custos dos produtos de saúde em 25% a 30%, pressionando ainda mais os orçamentos públicos já apertados, num sistema que enfrenta constantes limitações orçamentárias, infraestrutura precária e a necessidade de novos investimentos para atualização tecnológica e capacitação profissional.

Para os gestores do SUS, essa elevação dos custos significa um maior desafio para equilibrar as contas e manter a qualidade do atendimento. Muitas vezes, a resposta imediata a um aumento inesperado de despesas é a contenção de gastos em manutenção, modernização e ampliação dos serviços, áreas fundamentais para o bom funcionamento do sistema.

Além disso, em razão da sua dependência de cadeias produtivas globais, o Brasil sente os efeitos da instabilidade provocada pela guerra comercial no planejamento estratégico da saúde pública. A imprevisibilidade no fornecimento e nos preços dos insumos pode gerar desabastecimento e atrasos na oferta de tratamentos, afetando diretamente a população que precisa do sistema público.

Numa espécie de efeito dominó, a pressão financeira sobre os hospitais públicos pode comprometer a capacidade de investimento, o que, por sua vez, impacta a qualidade do atendimento e a eficiência dos serviços. Isso põe em risco tanto a saúde de cada paciente, como a saúde coletiva, ao dificultar ações preventivas e o controle de doenças.

Um possível efeito da instabilidade no fornecimento de insumos e do aumento de preços é o atraso ou o cancelamento de cirurgias eletivas, o que tende a acarretar judicialização, com pacientes em busca de garantia de realização desses procedimentos. O caminho para enfrentar o problema, a médio prazo, é avançar em políticas que incentivem a produção nacional de insumos médicos e farmacêuticos e a criação de estoques estratégicos para preservar a segurança e a continuidade dos atendimentos, promovendo a autonomia do setor de saúde.

Além disso, é essencial a diversificação das fontes de aquisição para reduzir vulnerabilidades externas. A substituição desses produtos por similares de outros países, como a China ou a Turquia, é possível, mas é preciso lembrar que esse é um processo demorado, devido à necessidade de registros e de validações, bem como de treinamento e assistência técnica. Não é algo que se faça a toque de caixa.

Diante desse cenário, além de manter uma gestão eficiente dos recursos públicos, é urgente estimular a indústria nacional e a inovação tecnológica no setor médico-hospitalar, a fim de assegurar a autonomia e a estabilidade no atendimento à população brasileira. Essa tarefa ganha urgência neste momento, mas seus efeitos virão futuramente.

De imediato, é importante negociar e usar o pragmatismo e moderação na mesa de negociações, considerando que uma eventual retaliação, com certeza, ao fim e ao cabo, será mais prejudicial para o Brasil do que para os Estados Unidos.

 

Por Opinião
postado em 13/08/2025 06:00
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