Opinião

Visão do Correio: Basta de incúria com o patrimônio

O episódio de Salvador expõe, de forma cristalina, que o modelo de conservação do patrimônio histórico nacional está equivocado. O Iphan precisa ter uma postura mais pró-ativa na conservação de prédios e instalações, e não esperar que os administradores locais se manifestem em eventual anomalia

Uma turista de  Ribeirão Preto (SP), de 26, anos morreu depois que parte do teto da Igreja de São Francisco de Assis desabou na tarde de 5/2/2025, no Centro Histórico de Salvador. Outras cinco pessoas ficaram feridas.  -  (crédito: Divulgação Defesa Civil )
Uma turista de Ribeirão Preto (SP), de 26, anos morreu depois que parte do teto da Igreja de São Francisco de Assis desabou na tarde de 5/2/2025, no Centro Histórico de Salvador. Outras cinco pessoas ficaram feridas. - (crédito: Divulgação Defesa Civil )

O desabamento de parte da Igreja de São Francisco de Assis, um dos pontos turísticos mais famosos do Brasil, evidenciou de forma trágica a monumental incúria que se abateu sobre o patrimônio histórico do país. A queda da estrutura matou Giulia Panchoni Righetto, uma jovem de 26 anos, que exercia no local uma das atividades mais preciosas para a economia mundial: o turismo. Pagou com a própria vida a profunda negligência sobre a história brasileira. Mais cinco pessoas ficaram feridas em razão da "fatalidade".

Ato contínuo ao desabamento, veio o conhecido jogo de empurra. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) apressou-se em dizer que a responsabilidade pela manutenção do monumento é da Ordem Primeira de São Francisco. Dois dias antes da tragédia, porém, o frade guardião da igreja havia enviado documento ao Iphan relatando uma dilatação no forro do teto da igreja. Segundo o Iphan, uma visita técnica estaria programada para quinta-feira, um dia depois do colapso da parte superior do santuário católico. Tarde demais.

Uma das construções mais consagradas do barroco brasileiro, a Igreja São Francisco de Assis foi erguida há mais de três séculos. A pedra fundamental do santuário baiano data de 1686. É conhecida como "igreja de ouro", em razão dos impressionantes adornos em madeira cobertos pelo pó do metal. A Igreja São Francisco de Assis é considerada ainda uma das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo.

Parece óbvio, portanto, que uma joia arquitetônica tão relevante quanto antiga tivesse uma atenção especial do poder público. É sabido e notório, contudo, que a Igreja São Francisco de Assis sofria com manutenção falha e acúmulo de problemas estruturais. Trata-se de uma situação comum a tantos outros monumentos históricos Brasil afora, castigados pelo descaso dos administradores com esses bens nacionais.

O episódio de Salvador expõe, de forma cristalina, que o modelo de conservação do patrimônio histórico nacional está equivocado. O Iphan precisa ter uma postura mais pró-ativa na conservação de prédios e instalações, e não esperar que os administradores locais se manifestem em eventual anomalia. É preciso também que estados e municípios tenham mais responsabilidade na fiscalização e manutenção de construções que, se bem preservadas, geram receita para os cofres públicos e para os gestores dos espaços.

Por fim, a ruína na Bahia serve para despertar a sociedade, em particular a iniciativa privada. Existem inúmeros exemplos, no Brasil e no exterior, da contribuição empresarial para a reforma e valorização de espaços relevantes. Recentemente, a França protagonizou um evento de repercussão mundial: reinaugurou a Catedral de Notre-Dame, em Paris, após receber doações oriundas de 150 países. Mais de 800 bilhões de euros foram arrecadados, com somas vultosas enviadas por multinacionais francesas e outros doadores.

Como se vê, existem providências e soluções a serem tomadas. É preciso agir, a começar pela punição dos responsáveis pela negligência que causou uma morte em Salvador. Não é possível que o turismo no Brasil, já prejudicado pelo problema da violência, torne-se uma atividade de alto risco.

Correio Braziliense
postado em 09/02/2025 06:00
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