Eleições nos EUA

Curativo na orelha e outras esquisitices

Por trás da bizarrice desses atos, está algo gravíssimo: a idolatria a políticos. O que, nos Estados Unidos, já incomoda até os autodeclarados cristãos, historicamente eleitores republicanos

Os participantes usam um tapa-orelhas em solidariedade ao ex-presidente dos EUA e candidato presidencial republicano de 2024, Donald Trump       -  (crédito: JIM WATSON / AFP)
Os participantes usam um tapa-orelhas em solidariedade ao ex-presidente dos EUA e candidato presidencial republicano de 2024, Donald Trump - (crédito: JIM WATSON / AFP)

 Há muitas formas de demonstrar apoio a uma figura pública que admiramos. Mensagens em redes sociais, passeatas, cartas aos jornais ou um singelo buquê de flor, se conhecemos o endereço, por exemplo. 

Na semana passada, republicanos norte-americanos escolheram outra maneira para expressar solidariedade ao candidato à Casa Branca Donald Trump, que escapou por milímetros de um atentado. Deram para andar com um tampão na orelha direita, tal qual o ex-presidente, que saiu quase ileso da tentativa de assassinato, não fosse por um arranhão auricular. 

É impossível ver as imagens da multidão com curativo na orelha sem lembrar que, por aqui, tivemos algo semelhante. Como as pessoas ajoelhadas diante de um pneu, enquanto entoavam o Hino Nacional. Ou o moço que se agarrou à cabine de um caminhão em movimento. 

A orelha do Trump e o que ficou conhecido como o ritual de "adoração de pneu" têm bem mais em comum, além de cenas patéticas, vocacionadas a memes instantâneos. Podemos até rir. Mas, por trás da bizarrice desses atos, está algo gravíssimo: a idolatria a políticos. O que, nos Estados Unidos, já incomoda até os autodeclarados cristãos, historicamente eleitores republicanos. 

Assistindo aos fiéis bandearem-se para o que se parece mais com uma seita do que com uma ideologia política, algumas igrejas têm puxado a orelha (coberta por gaze) dos seguidores. Sediado em Washington, o jornal cristão neopentecostal The Christian Post publicou, em janeiro, um artigo do jornalista John Wesley Reid que alertava: "A idolatria dos conservadores cristãos por Trump é uma ferida autoinfligida ao cristianismo". Palavra de um comunicador que se apresenta no Instagram com a frase: "Faça o conservadorismo ser de Deus novamente". 

Wesley Reid admite: votou em Trump duas vezes, em 2016 e 2020. Porém, diz estar assustado com o avanço da devoção religiosa ao político. "O que vale mais a pena defender? Sua fé ou política?", provoca. 

No popular site cristão The Cottage, a pastora e escritora Diana Butler Bass orientou, recentemente, seus seguidores: "Idolatria política a Donald Tump: apenas diga não", é o título de uma postagem da Páscoa. "Os próprios evangélicos abraçam a teologia de Trump, o salvador, um novo Jesus político. Eles acreditam nisso. Eles acreditam que Trump está sendo sacrificado por eles."

Embora a pauta conservadora, especialmente no que diz respeito à "moral e aos bons costumes", seduza as igrejas cristãs, o "messianismo trumpiano" é, na verdade, uma afronta ao que diz a própria Bíblia: "Não se pode servir a dois senhores" (Mateus, 6:24). Porém, seja no Brasil ou nos Estados Unidos, sejam católicos ou evangélicos, aparentemente os antigos seguidores de Cristo escolheram um novo pastor. Em vez de se dobrar à cruz, preferem, agora, ajoelhar-se para os pneus e os curativos de orelha.

 


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postado em 22/07/2024 06:02
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