AMÉRICA DO SUL

Corrida presidencial no Equador: a história se repete

Empossado como o chefe de Estado mais jovem do mundo em 2023, Daniel Noboa, 37 anos, disputou a Presidência equatoriana contra Luisa González, 47, protagonizando, mais uma vez, a polarização eleitoral no país

Daniel Noboa votou em sua cidade natal, Olon. Já Luisa González, em Canuto, cidade rural da província costeira de Manabí, onde cresceu -  (crédito: AFP)
Daniel Noboa votou em sua cidade natal, Olon. Já Luisa González, em Canuto, cidade rural da província costeira de Manabí, onde cresceu - (crédito: AFP)

Em meio à violência do narcotráfico e à recessão econômica, quase 14 milhões de equatorianos foram às urnas, ontem, para a escolha do próximo líder do país sul-americano, bem como dos 151 membros da Assembleia Nacional local. Com 16 presidenciáveis, a disputa foi encabeçada pelos favoritos: o direitista Daniel Noboa Azín, 37 anos, do Movimento Ação Democrática Nacional (ADN), e a correísta Luisa Magdalena González, do partido de esquerda Revolução Cidadã (RC), liderado pelo ex-presidente Rafael Correa.

Para o analista político Rafael Resende, consultor em gestão pública e ciências políticas, o cenário é, basicamente, o mesmo de 2023 (leia em Para saber mais). Ele afirma que Noboa foi o preferido na disputa em meio à crise atual, principalmente, "por conta de seu duro discurso de combate à violência", considerando que o Equador tornou-se um dos maiores produtores de cocaína do mundo nos últimos anos.

"Noboa chegará ao próximo mandato com seu discurso e ações ainda mais legitimadas pelo povo equatoriano, mesmo que ainda com poucos resultados efetivos. Em mais de um ano de gestão, militarizou a segurança interna e decretou estados de exceção, ações que devem ser intensificadas no segundo mandato, na busca de resultados efetivos de redução da violência em todo o país (meta ainda não atingida até o presente momento)", explica, lembrando que também houve um aumento da guerra entre os dois grandes cartéis Sinaloa e Jalisco Nueva Geración. "Caso os resultados não sejam atingidos, o campo da direita pode sair enfraquecido em toda a região, que já conta com governos de esquerda na Colômbia (Gustavo Petro) e centro-esquerda no Peru (Dina Boluarte)", completa o especialista.

Nesse sentido, a professora e pesquisadora Carla Alvaréz, do Instituto de Altos Estudos Nacionais (IAEN), no Equador, explica que os projetos de governo apresentados por Daniel Noboa e Luisa González foram "completamente distintos". "Com Noboa na Presidência, seguiremos pela agenda do neoliberalismo, absolutamente alinhada com os Estados Unidos, e de um modelo de crescimento baseado não nos direitos, mas na inversão de capital, na busca de capitais estrangeiros, e no uso dos militares no setor de segurança para manter a ordem social e o controle. Se Luisa ganhasse, teríamos que implementar mais políticas sociais, uma política mais integral, mais respeito aos direitos, mais proteções sociais, de emprego, mais equipamentos para a saúde, a criação de vagas para os jovens e as crianças, fortalecimento do sistema educativo."

Irregularidades

Neste domingo, Luisa González, denunciou falhas no processo eleitoral. Segundo a agência de notícias EFE, ela afirmou que os 200 observadores internacionais, incluindo delegados da União Europeia (UE) e da Organização dos Estados Americanos (OEA), que monitoram a corrida presidencial, "conhecem as irregularidades que foram cometidas a partir do momento em que o 'presidente-candidato' não pediu licença", afirmou, referindo-se à decisão de Noboa de se manter na presidência durante a campanha eleitoral.

A postura do presidente também foi denunciada por outros candidatos, uma vez que confronta a lei eleitoral do país, que prevê que os ocupantes de cargos públicos que optarem pela reeleição devem tirar uma licença sem remuneração desde o início da campanha. Diante das críticas, o chefe da missão da OEA, Heraldo Muñoz, afirmou que incluirá as afirmações em relatório. "Esse processo eleitoral foi muito marcado por irregularidades, e as campanhas foram muito desiguais. O candidato e presidente Noboa tinha muitos recursos econômicos, de seu patrimônio pessoal e familiar, e tinha o Estado a seu serviço", aponta Carla Alvaréz.

A especialista afirma, ainda, que o temor à fraude eleitoral está instaurado em todos os candidatos e na maioria da população. "Para, pelo menos, 66% da população, alguma irregularidade ou falta de transparência foi cometida no processo eleitoral. Isso quer dizer que há um temor generalizado, que não é um temor meu, mas que a população está vendo que não estão respeitando as normas. E isso instaura as condições para haver uma fraude. Esperamos que não seja assim, pelo bem do país e pelo bem da democracia."

Críticas

De acordo com Resende, o governo de Noboa tem enfrentado duras críticas de organismos regionais e globais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Conselho de Segurança da Organizações das Nações Unidas (ONU), por conta de sua política repressiva no combate à violência, tendo chegado, em alguns casos, ao desrespeito pelos direitos humanos e ao direito internacional.

"Em abril do ano passado, o presidente ordenou a invasão da Embaixada do México em Quito, com a justificativa de que 'não há limites para combater o crime'. Essa e outras ações têm rendido a Noboa diversas comparações com o governo de Nayib Bukele, presidente de El Salvador. A ideia de 'estado de exceção permanente' pode isolar o Equador do restante da região, e também nas relações com as nações democráticas da Europa, e atingir de forma ainda mais ampla a economia do país", alerta.

Por outro lado, segundo o analista, há quem acredite que o segundo mandato poderia ser menos extremo, já que o presidente não estaria mais tão preocupado com os futuros cenários eleitorais do país. "Essa segunda visão é a que considero menos provável", lamenta.

Há dois dias da eleição, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) decidiu dispensar a contagem rápida, divulgada com o resultado oficial, porém não definitivo da votação. Portanto, neste ano, foi necessário acompanhar, minuto a minuto, a entrada dos dados no aplicativo CNE. Até o fechamento desta edição, o resultado oficial não havia sido anunciado.

Para saber mais

Eleição antecipada

Em maio de 2023, ao completar dois anos de governo, o então presidente equatoriano, Guillermo Lasso, enfrentava uma grave crise de segurança e acusações de corrupção. Com apoio minoritário na Assembleia Nacional e sob ameaça de impeachment, ele acionou a "morte cruzada", mecanismo constitucional que o permitiu dissolver o Congresso e convocar eleições antecipadas. O primeiro turno ocorreu em 20 de agosto e o segundo, em 15 de outubro de 2023. Sem disputar a reeleição, Lasso abriu caminho para uma disputa entre Luisa González e Daniel Noboa. Apesar de não ser favorito, Noboa avançou para o segundo turno e venceu Luisa González com 51,83% dos votos contra 48,17%. Ele assumiu a presidência em 23 de novembro de 2023 para concluir o mandato iniciado por Lasso, que se encerra em maio deste ano.

Dinâmica eleitoral 

A eleição presidencial no Equador de 2025 ocorreu das 7h às 17h (9h às 19h no horário de Brasília), com voto obrigatório para cidadãos de 18 a 65 anos, sob pena de multa de 47 dólares (R$ 271). Nas 4.349 seções eleitorais do país, os votantes receberam quatro cédulas: uma para escolher presidente e vice, marcando a chapa com caneta antes de depositar na urna, e as demais para selecionar legisladores nacionais, provinciais e membros do Parlamento Andino. O programa "Voto em Casa" permitiu que idosos com mobilidade reduzida e pessoas com deficiência votassem em casa. Detentos também puderam exercer seu direito com rígidas medidas de segurança. O novo presidente tomará posse em 24 de maio para um mandato de quatro anos.

Duas perguntas para... 

Iván Sierra, 55 anos, morador de Guayaquil, a maior cidade do Equador, e diretor geral da empresa Negocios &Estrategias, dedicada à pesquisa de opinião pública, mercados e tendências desde 1997
Iván Sierra, 55 anos, morador de Guayaquil, no Equador, e diretor-geral da empresa Negocios &Estrategias, dedicada à pesquisa de opinião pública, mercados e tendências desde 1997 (foto: Arquivo pessoal)

1. Como você avalia a gestão de Daniel Noboa?

Em 2024 (ano de início da sua gestão) o PIB sofreu uma contracção de 2,2%, creio que dentro desse intervalo ocorreu apenas noutras ocasiões: em 2016, provocando um terremoto de enormes consequências e em 2020, provocando a pandemia de covid-19. Por outro lado, o país sofreu a maior crise elétrica das últimas décadas durante os meses de setembro, outubro, novembro e dezembro do ano anterior, provocando cortes de energia de até quatro horas. Em termos de emprego, entre dezembro de 2023 e dezembro de 2024, o país perdeu 300 mil postos de trabalho adequados; e em termos de pobreza, no mesmo período houve 350 mil pessoas que ficaram pobres. Por si só não bastasse, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes manteve-se em mais de 40 casos, o que é mais vezes do que o apurado em 2017. No plano institucional, seu governo atropelou inúmeras vezes as leis e a Constituição, a ponto de praticamente separar a vice-presidente (eleita nas urnas em pares) de seu cargo para nomear o outro vice-presidente por decreto, apesar do clamor contra outros órgãos do Estado, da academia e da opinião pública. A minha opinião deriva desses fatos que descrevo e creio que não é necessário expressá-la.

2. Qual a sua opinião sobre Luisa González?

É uma mulher que se formou sem fortuna familiar que a sustentasse, conseguiu ser advogada, concluir dois programas de mestrado, chegar a um cargo ministerial no governo de Rafael Correa e, agora, pela segunda vez, ser candidata presidencial do partido Revolução Cidadã. Destaca-se pela sua empatia com o sentimento cidadão, com as deficiências e necessidades dos mais vulneráveis e pela sua lealdade ao projeto político do ex-presidente Correa. Na minha opinião, é uma mulher extremamente valiosa para um projeto que visa direcionar o país para uma situação com menos desigualdades, com níveis mais elevados de justiça e com foco no crescimento econômico em breve. Penso também que ela poderia depender da equipe de trabalho que o partido lhe proporciona, pois, sem ignorar o seu capital político, é o peso específico de Rafael Correa na história recente do Equador que sustenta politicamente o partido.

 

Marina Rodrigues
Isabella Almeida
postado em 10/02/2025 06:01
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