
Por Sara Vital* — A teoria mista da pena, adotada no direito penal brasileiro, fundamenta-se em princípios e normas que buscam tanto retribuir o mal causado pelo indivíduo quanto promover sua ressocialização, com o objetivo de reintegrá-lo à sociedade e evitar a reincidência. Assim, a análise da pena no direito brasileiro não se limita a um simples castigo, mas se articula com a função de reabilitar o infrator e contribuir para a ordem social. Nesse contexto, a progressão de regime prisional desempenha um papel fundamental ao permitir que o indivíduo se reintegre gradualmente à vida em sociedade.
De forma sucinta, ao ser condenado a uma pena privativa de liberdade, o período da condenação em anos define o tipo de regime inicial de cumprimento, sendo esses o fechado, o semiaberto e o aberto, conforme estipulado no artigo 33 do Código Penal. Já durante a execução da pena, o artigo 112 da Lei de Execução Penal (LEP) estabelece que fatores como a primariedade do agente e a natureza do crime influenciam a possibilidade de progressão para um regime menos gravoso, mediante o cumprimento de uma porcentagem determinada da pena.
O desconhecimento sobre essa possibilidade é compreensível, na medida em que a mídia frequentemente se limita a noticiar o início de determinado caso, seu desfecho no tribunal e, eventualmente, a mudança para um regime menos gravoso. O que falta, porém, é uma cobertura mais abrangente e educativa, que explique os trâmites legais e os critérios que norteiam a progressão de regime.
Nos últimos dias, o caso envolvendo Cristian Cravinhos, condenado a mais de 35 anos pela morte de Manfred e Marísia Von Richthofen, em 2002, voltou a ganhar destaque na mídia. A juíza Sueli Zeraik de Oliveira Armani concedeu a ele a progressão do regime semiaberto para o aberto. No entanto, a notícia gerou indignação e perplexidade em muitas pessoas, que se sentem confusas e revoltadas com o que consideram impunidade.
A verdade, porém, é que essa reação, na maioria dos casos, reflete uma profunda desinformação sobre o funcionamento do sistema penal brasileiro. A progressão de regime não é um privilégio concedido aleatoriamente a Cristian, mas sim, um direito previsto em lei, condicionado ao cumprimento de requisitos específicos e, ao tempo, de execução da pena. Embora, no campo moral, a decisão possa ser contestada, no âmbito legal, ele faz jus à progressão.
Portanto, é crucial reconhecer a complexidade entre o que é legalmente estabelecido e o que é moralmente aceitável. Nem tudo o que é garantido por direito, como a progressão da pena, é necessariamente visto como justo, especialmente em casos de crimes de grande impacto social. Da mesma forma, nem tudo o que parece justo, como a indignação popular diante de determinadas decisões judiciais, encontra respaldo na lei. Nesse contexto, é fundamental buscar um equilíbrio entre a aplicação da lei e os princípios éticos e morais que regem uma sociedade justa e democrática.
É necessário que as leis reflitam de maneira mais precisa os valores e princípios éticos da sociedade em casos de crimes hediondos e de grande comoção pública. Isso poderia envolver a reavaliação dos critérios para a progressão de pena, considerando não apenas o cumprimento de requisitos formais, mas também a gravidade do delito e seu impacto projetado na sociedade. Somente por meio de uma legislação mais sensível e alinhada aos valores sociais será possível alcançar um sistema penal mais justo na ótica da população.
Advogada do escritório Daniel Gerber Advogados*
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