
Por Tarcísio Araújo Kroetz* — A expansão e a crescente influência das redes sociais na comunicação contemporânea trouxeram enormes benefícios, mas também desafios consideráveis. A comunicação facilitada pela tecnologia não está isenta de riscos, especialmente no que diz respeito às liberdades comunicativas e ao crescente risco de censura.
Antes de mais nada, é fundamental ressaltar que as liberdades comunicativas — e, por extensão, a liberdade de imprensa — são alicerces da democracia. Justamente por isso, precisam ser exercidas em equilíbrio com os demais direitos e com os limites estabelecidos pela sociedade. Discursos de ódio, calúnias, difamações e incitação à violência, por exemplo, afetam o bem-estar coletivo e são comportamentos que não devem ser tolerados. Embora muito valiosa, a liberdade de expressão não é um valor absoluto e não pode justificar a disseminação de informações falsas ou de manifestações que configurem crime.
No entanto, o que temos visto no Brasil é o outro extremo da questão, caracterizado justamente pela falta de equilíbrio que se busca estabelecer: o aumento de práticas que limitam as liberdades comunicativas, muitas vezes, sem transparência ou contraditório, configurando censura prévia. Um exemplo claro disso é o inquérito das fake news, instaurado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que tem gerado controvérsias devido à remoção de conteúdo e ao bloqueio de contas em redes sociais sem o devido processo legal e o direito de defesa. Tais medidas, embora justificadas como combate à desinformação, frequentemente esbarram no direito fundamental à liberdade de expressão, criando um precedente perigoso de censura não apenas para usuários, mas também para jornalistas e veículos de comunicação.
O problema também envolve a falta de clareza quanto aos algoritmos usados pelas big techs que controlam as redes sociais. Embora esses sistemas possam melhorar a experiência do usuário, oferecendo conteúdos alinhados aos seus interesses, apresentam sérios riscos. Eles podem reforçar bolhas de informação, restringindo o acesso dos cidadãos a pontos de vista divergentes. Esse fenômeno é preocupante, pois enfraquece a democracia e reduz o debate saudável, essencial para a construção de uma sociedade plural.
Há diversos casos emblemáticos que reforçam a urgência de uma regulamentação que proteja os cidadãos contra abusos nas redes sociais, sem abrir margem para a perigosa censura prévia. Em 2020, o caso envolvendo a TV Globo e o esquema das "rachadinhas" exemplificou o uso da censura judicial para impedir a divulgação de informações de interesse público. A decisão judicial proibiu a emissora de publicar documentos que poderiam elucidar um possível esquema de corrupção envolvendo membros do governo, limitando a atuação da imprensa e comprometendo o direito à informação.
Outro caso emblemático ocorreu em 2019, quando o STF determinou a retirada do ar da reportagem "O amigo do amigo de meu pai", da Revista Crusoé e do site O Antagonista. A reportagem mencionava o envolvimento de um ministro com a Operação Lava-Jato, o que foi considerado, por muitos, um ato de censura judicial. Apesar das justificativas do STF, a decisão levantou questões sobre o limite entre a proteção à honra e a liberdade de imprensa, sendo amplamente criticada por especialistas e pela sociedade civil.
Em 2022, outra medida do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) gerou controvérsia ao determinar a retirada de publicações em redes sociais que associavam o então candidato à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, ao ditador da Nicarágua, Daniel Ortega. A decisão, que envolveu plataformas como X e Facebook, foi vista por muitas entidades jornalísticas como uma forma de censura, pois o Judiciário estava, de forma indireta, interferindo no que poderia ser publicado em veículos de comunicação e nas redes sociais. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) se manifestaram contra a medida, alertando sobre os perigos dessa interferência judicial.
Esses casos demonstram a crescente necessidade de regulamentação das redes sociais, de modo a garantir que as liberdades comunicativas sejam protegidas e que a censura não seja usada como um mecanismo para silenciar opiniões ou restringir o direito à informação. Uma regulamentação clara permitiria que cidadãos, jornalistas e empresas de mídia se sentissem mais seguros para se expressar sem o receio de represálias ou bloqueios arbitrários de conteúdo.
A proposta de regulamentação deve garantir, entre outros pontos, a transparência dos algoritmos, especialmente aqueles utilizados em processos judiciais, como no caso do uso da inteligência artificial pelo Poder Judiciário. Além disso, é fundamental que a liberdade de manifestação seja protegida durante períodos eleitorais, evitando abusos de poder ou interferências indevidas nas campanhas e nas opiniões dos eleitores.
A Federação Nacional dos Institutos dos Advogados do Brasil (Fenia), em sua missão de proteger os direitos constitucionais, está trabalhando em uma proposta a ser convertida em projeto de lei para regulamentação das redes sociais. O objetivo é assegurar que todos possam expressar suas ideias sem medo de censura ou represálias, respeitando, ao mesmo tempo, os direitos fundamentais que sustentam a República.
A regulamentação das redes sociais não é uma questão meramente técnica; trata-se de uma necessidade para garantir a manutenção dos princípios que sustentam nossa democracia. A proteção da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e da dignidade da pessoa humana são pilares fundamentais que devem ser preservados em todas as esferas da sociedade, incluindo o ambiente digital. O momento de agir é agora, para evitar que os abusos nas plataformas de comunicação e o uso indevido da censura prejudiquem a própria essência de nossa convivência democrática.
Advogado, presidente da Federação Nacional dos Institutos dos Advogados do Brasil (FENIA)*
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Saiba Mais