
Especialista em processo penal e direito processual penal, o secretário-geral da OAB-DF, Rafael Teixeira Martins, analisou, a pedido do caderno Direito&Justiça, a estratégia dos advogados dos agora réus da denúncia do procurador-geral da República, Paulo Gonet, sobre a trama golpista liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Martins considera que a principal estratégia da defesa foi arguir nulidades do processo relacionadas à competência da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) e da própria Corte Superior para apreciar o caso, e a suspeição e o impedimento de ministros que participam do julgamento. Embora essas preliminares tenham sido rejeitadas e a denúncia contra os oito integrantes do chamado "núcleo crucial" tenha sido aceita por unanimidade, Martins acredita que as supostas nulidades ainda deverão despertar debates.
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Ele faz um paralelo: "Isso aconteceu no processo da Lava-Jato, em que, por várias vezes, o Supremo validou a competência da Justiça Federal do Paraná e, posteriormente, mudou de entendimento, considerando a Justiça Eleitoral como competente. Essa mudança anulou todos os processos que haviam tramitado".
Qual foi a estratégia dos advogados dos denunciados no "núcleo crucial" da trama golpista?
Sempre que a imprensa busca uma voz técnica na advocacia, entendo que precisamos ter a responsabilidade e o cuidado de fazer uma devolutiva essencialmente técnica — livre das convicções políticas — para a sociedade. Isso posto, do ponto de vista do direito, é necessário aguardar a decisão para que se possa efetivamente falar em golpe ou não. Sobre a estratégia adotada na atual fase do processo, ficou muito claro que todas as defesas insistem principalmente em suscitar questões preliminares de nulidade por diversos argumentos. Trata-se de uma iniciativa que pode trazer resultados efetivos às defesas, principalmente se considerarmos o histórico recente da jurisprudência do STF, que com frequência altera seus próprios entendimentos.
Eles sustentaram que não havia provas contra seus clientes sem negar a tentativa de golpe. Qual a sua avaliação sobre esse caminho?
O operador do direito não percebe um caso com toda a dosagem emocional que a sociedade percebe. Para o advogado, as peças têm caminhos objetivos. Não se trata de momento processual para a formação da convicção do magistrado sobre a procedência ou improcedência da denúncia, mas tão somente de ato destinado à análise dos requisitos da acusação. A materialidade dos fatos, em geral, parece inconteste por tudo que aconteceu. Assim, a maior controvérsia acaba se limitando à existência de indícios suficientes de participação dos denunciados nos fatos e, principalmente, a aspectos jurídicos de tipificação das condutas imputadas.
Acha que houve combinação das defesas em relação à estratégia?
Seria natural que os caminhos de defesa se cruzassem mesmo sem contato entre os advogados, já que há nos autos muitas similaridades que oportunizam essa coincidência. Mas não se pode afastar a possibilidade de os advogados conversarem entre si, o que é absolutamente legítimo. A advocacia troca ideias o tempo todo e busca evoluir sua técnica diariamente. Não se pode negar que todas as defesas, em vários pontos, convergiram em muitas das teses apresentadas.
Foi correta a decisão do STF de receber a denúncia?
Em termos estatísticos, o natural e provável é que a denúncia seja recebida. Na prática, é o que se verifica na maioria esmagadora dos casos, pois o recebimento da denúncia é fundado em um estado meramente indiciário. A análise do Judiciário busca indícios de autoria e prova de que a conduta imputada aos denunciados aconteceu. Por mais que as defesas tenham apresentado argumentos robustos e relevantes, é certo que precisam de lastro probatório consistente para serem acolhidos, o que somente será obtido durante a instrução do processo.
Que pontos ainda podem ser explorados?
As manifestações já apresentadas nos dão um indicativo de como as defesas provavelmente se desenvolverão. Há, evidentemente, uma linha de defesa no sentido de questionar a ausência de provas de que os denunciados organizaram, comandavam e controlavam as pessoas que participaram dos atos de 8 de Janeiro. Há também vários questionamentos de cunho jurídico sobre a subsunção dos fatos às normas apontadas pelo procurador-geral. Parece-me evidente que as defesas insistirão na arguição das preliminares, eis que podem ser acolhidas a qualquer momento. Isso aconteceu no processo da Lava-Jato, em que, por várias vezes, o Supremo validou a competência da Justiça Federal do Paraná e, posteriormente, mudou de entendimento, considerando a Justiça Eleitoral como competente. Essa mudança anulou todos os processos que haviam tramitado.
Que desafios os advogados enfrentarão agora?
Trata-se, certamente, de um processo extremamente complexo e volumoso. Os advogados terão muito trabalho para destrinchar todo o acervo probatório. Há também a dificuldade decorrente do elevado número de testemunhas, o que implicará a realização de dezenas de audiências para que todas as pessoas arroladas sejam ouvidas. Além disso, temos a complexidade do processo sob o prisma político, já que não só o Judiciário, mas toda a sociedade brasileira acompanha e debate o julgamento.
Acha que houve politização por parte dos advogados?
Em absoluto, não vi politização por parte dos advogados. Fizeram sustentações orais extremamente técnicas e densas, com argumentos jurídicos bem formulados. Mas é importante lembrar que, ao contrário do magistrado, o advogado não é imparcial. Cabe à advocacia defender os interesses do cliente. Se os fatos possuem um fundo político inegável, é natural que haja essa percepção.
Quais precedentes jurídicos podem fortalecer a defesa?
A maior parte dos crimes imputados aos denunciados decorre de legislação recente, sancionada, inclusive, pelo então presidente Jair Bolsonaro. Por se tratar de uma legislação nova e de um fato inédito na história recente do nosso país, dificilmente existirão precedentes de mérito. Por outro lado, no que se refere às preliminares, há ampla jurisprudência sobre as teses arguidas, inclusive, com mudanças constantes de entendimento. Creio que essa oscilação jurisprudencial será utilizada pelas defesas.
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