
Alessandra Montet — Advogada atuante nas áreas de direito administrativo, societário, processual civil, regulatório e de imigração do Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados
As licitações possuem o objetivo de assegurarem contratações vantajosas entre particulares e a Administração Pública, observando-se os princípios estabelecidos na Constituição Federal, tais como moralidade, eficiência, legalidade e publicidade. Em regra, a Administração Pública detém o poder de imposição de cláusulas contratuais, garantindo que o interesse público seja preservado. No entanto, existem hipóteses em que há margem para negociação, em situações específicas.
As contratações públicas no Brasil são regidas com destaque para a Lei nº 14.133/2021, que substituiu a Lei nº 8.666/1993, e a Lei nº 13.303/2016, que regula as contratações realizadas pelas empresas públicas e sociedades de economia mista.
Embora seja fundamental assegurar que os contratos atendam às necessidades da Administração Pública, buscando a melhor utilização de recursos públicos, é importante respaldar os interesses das contratadas, viabilizando-se assim o equilíbrio contratual.
A Lei nº 14.133/2021, que substituiu a Lei nº 8.666/1993, a antiga Lei de Licitações, introduziu uma série de modificações no processo licitatório. A nova legislação buscou simplificar e modernizar as contratações, oferecendo novas oportunidades de negociação durante o processo licitatório, como é o caso do Dialogo Competitivo, modalidade prevista no artigo 32 da Lei nº 14.133/2021, voltada para contratações complexas, em que a Administração pode dialogar com os licitantes para definir aspectos técnicos e soluções antes da apresentação das propostas finais.
Mas, em geral, as cláusulas contratuais são padronizadas, restando aos possíveis contratados apenas a aceitação ou a recusa da minuta proposta. Ocorre que a imposição de condições rígidas pode não refletir adequadamente as necessidades e as particularidades do mercado e dos contratados, gerando situações insustentáveis do ponto de vista técnico e operacional.
Em vista desse risco, o número de empresas licitantes acaba sendo reduzido, justamente pela impossibilidade de negociação das cláusulas contratuais. Portanto, contrariando o princípio da eficiência e da vantajosidade econômica, restringe-se a participação apenas àquelas empresas que tem capacidade de assumir tal risco, e os preços das propostas acabam por serem majorados, refletindo potenciais problemas ao longo da execução do contrato.
A Lei de Licitações prevê a alocação de risco através de uma matriz de responsabilidades, na qual cada parte assume os possíveis futuros riscos ao longo da execução do contrato. A determinação dessa Matriz de Risco pode envolver negociações entre as partes para equilibrar responsabilidades, antes de assinar o contrato.
De acordo com a Lei nº 14.133/2021, se estabelecida a matriz de risco, as partes renunciam a possibilidade de futuramente solicitarem o restabelecimento de equilíbrio econômico, uma vez que assumiram os riscos pré-definidos.
Embora a fase de licitação imponha um contrato padronizado, a legislação prevê hipóteses em que a negociação posterior pode ocorrer. Tanto na antiga Lei de Licitações, quanto na nova e, ainda, na Lei nº 13.303/2016, é possível verificar a previsão expressa de alteração dos contratos após a assinatura.
Dentre as alterações dos contratos expressas na legislação, é prevista, por exemplo, a possibilidade de alteração quando houver modificação do projeto ou especificações; mudança do valor contratual e quando conveniente a substituição de garantia de execução, entre outros casos listados na lei.
Importante destacar que a Lei nº 13.303/2016 no seu artigo 72 impede a alteração unilateral do contrato pela empresa estatal contratante, reforçando a segurança jurídica das relações contratuais da Administração Pública com os contratados.
Já nos termos da Lei nº 14.133/2021, à Administração é resguardado o poder de alterar ou extinguir os contratos de forma unilateral, desde que respeitados não só os direitos do contratado, como também os casos previstos na lei. Além disso, o inciso II do artigo 124 da nova Lei de Licitações também prevê as possibilidades de alteração contratual por acordo entre as partes, dentre elas, quando há a necessidade de se reestabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Desta forma, nas principais leis que regulam os contratos com a Administração Pública, existe a possibilidade de alterações contratuais, todavia essas modificações são extremamente limitadas e apenas realizáveis em situações excepcionais, como quando há alteração do interesse público ou desequilíbrio econômico-financeiro, o que impede que as partes possam negociar livremente para ajustar as cláusulas às novas condições de mercado ou às realidades da execução do contrato.
Outro desafio significativo nas negociações dos contratos administrativos é a dificuldade de adequar os termos contratuais à realidade do mercado. As condições de mercado, como variações nos preços de insumos ou alterações na legislação, podem impactar diretamente a execução de um contrato. Embora as novas leis prevejam mecanismos para ajustes no equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, a aplicação dessas cláusulas não é simples.
Para a alteração do contrato mediante a necessidade de equilíbrio econômico-financeiro, previsto na legislação, é necessário comprovação de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, ou em casos de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe.
Embora sejam previstos certos respaldos na legislação para que se garanta o integral cumprimento do contrato tal qual pactuado inicialmente, a resistência de negociar termos e cláusulas contratuais impactam também quando as condições de execução do contrato tornam-se insustentáveis. Para empresas que dependem de contratos de longo prazo, a falta de flexibilidade e a dificuldade de adequar os contratos às flutuações do mercado podem resultar em prejuízos financeiros e dificuldades operacionais.
A lei estabelece a obrigatoriedade de reequilíbrio econômico de forma incontroversa apenas nos casos de alterações unilaterais realizadas pela Administração e aumento ou redução de tributos diretamente pagos pelo contratado em decorrência do contrato, que sejam fixados por legislação superveniente.
A judicialização dos contratos com a Administração é umarealidade constante no Brasil. Quando as partes não conseguem chegar a um acordo sobre as cláusulas contratuais ou quando surgem conflitos em relação à interpretação das normas, a solução costuma ser buscada no Judiciário. Embora a Lei nº 14.133/2021 preveja mecanismos de solução de disputas mais eficientes, como a mediação e a arbitragem, como nos artigos 138 e 151, a judicialização ainda é uma prática recorrente.
A demora na resolução de disputas judiciais pode prejudicar tanto a Administração Pública quanto os contratados, pois o andamento dos contratos pode ser paralisado enquanto a questão judicial não é resolvida. A falta de mecanismos eficazes para tratar de maneira célere as divergências nos contratos acaba sobrecarregando o sistema judiciário e causando insegurança jurídica para as partes envolvidas.
Embora os contratos administrativos sejam tradicionalmente rígidos, há sim possibilidade de negociação, tanto antes quanto depois da assinatura do contrato, especialmente nos casos de reequilíbrio econômico-financeiro, diálogo competitivo e alterações contratuais justificadas.
No entanto, apesar das inovações introduzidas pela Lei nº 14.133/2021 e pela Lei nº 13.303/2016, os desafios relacionados à negociação dos contratos com a Administração Públicapermanecem presentes. A rigidez das cláusulas contratuais, a dificuldade de adaptação às mudanças do mercado e a limitação para negociação entre as partes são obstáculos significativos que acabam reduzindo significativamente o número de empresas licitantes. Esse fenômeno prejudica a própria Administração, pois quanto mais reduzido o número de licitantes, maiores são os preços.
A busca por maior flexibilidade nos contratos com a Administração, a revisão dos requisitos impositivos e a promoção de mecanismos ágeis para resolução de conflitos são fundamentais para tornar o sistema de licitações e contratações públicas mais eficiente e inclusivo. A Administração Pública, os advogados e as empresas devem trabalhar juntos para garantir que as regras sejam aplicadas de forma justa, equilibrada e transparente, sempre com foco no interesse público e no desenvolvimento sustentável do mercado.