MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Mudanças no Ártico e na Antártida preocupam líderes mundiais

Essas regiões geladas sofrem com altas temperaturas por causa das mudanças climáticas, alerta publicação científica divulgada às vésperas do fim do prazo para a apresentação das metas de emissão, tema abordado na COP30, em Belém

Na Antártica, o aquecimento provoca alterações na biodiversidade e derretimento acelerado das geleiras  -  (crédito: Flickr/Marinha do Brasil)
Na Antártica, o aquecimento provoca alterações na biodiversidade e derretimento acelerado das geleiras - (crédito: Flickr/Marinha do Brasil)

Uma edição especial da revista Science abordou pesquisas cruciais sobre as regiões congeladas da Terra, do Ártico à Antártida, destacando as transformações provocadas pelas mudanças climáticas e os desafios geopolíticos que afetam diretamente a conservação dessas áreas. A publicação coincide com o fim do prazo dado aos países para entregarem suas novas metas de emissão, que serão debatidas na maior conferência climática do mundo, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP) em novembro, em Belém, no Pará.

Na primeira revisão realizada pelos cientistas, a equipe liderada por Julienne Stroeve, da Universidade de Manitoba, no Canadá, detalhou o futuro do Ártico em uma Terra mais quente. Com base em projeções de um aumento de 2,7°C nas temperaturas globais, o trabalho destaca as alterações irreversíveis que a região sofrerá, se não houver ações climáticas decisivas.

Em um mundo 1,5°C mais quente, a temperatura no Ártico já superaria os níveis históricos em mais de 80% dos dias do ano. Ao considerar o cenário de 2,7°C a mais do que os níveis pré-industriais, o aquecimento desenfreado causará temperaturas extremas, com verões nos quais o Oceano Ártico ficará sem gelo, o derretimento da camada de gelo da Groenlândia quadruplicará e o permafrost — solo congelado em regiões muito frias que retém gases de efeito estufa— deverá encolher pela metade. Além de causarem graves danos aos ecossistemas locais, esses efeitos também afetarão as comunidades e a infraestrutura da região, além de elevar os níveis do mar. No entanto, os autores destacam que, com políticas climáticas mais fortes, seria possível minimizar os impactos e preservar o Ártico.

Em novembro

Enquanto isso, Belém, no Pará, prepara-se para receber a COP30, de 10 a 21 de novembro. Os países têm até 10 de fevereiro para apresentar em suas próximas metas de redução das emissões de gases de efeito estufa "o mais ambiciosas possíveis", afirmou o presidente da conferência, o embaixador André Aranha Corrêa do Lago, em entrevista à AFP. A tensão aumentou, após o anúncio da saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris.

Para Corrêa do Lago, que acumula a COP com a Secretaria de Clima, Energia e Meio Ambiente do Itamaraty, o foco deve ser a "ambição", depois que o mundo quebrou recordes de temperatura em 2024 e iniciou 2025 da mesma forma. O esboço "deve ser compatível" com a limitação do aumento da temperatura global a 1,5 ºC em comparação à era pré-industrial.

"A COP de Belém está muito ligada à apresentação das NDC (Contribuições Nacionalmente Determinadas). Mas, na verdade, há uma série de negociações ainda em curso. Há, também, um mandato para que o Brasil, com o Azerbaijão, apresente alternativas para conseguirmos aumentar os recursos financeiros de US$ 300 bilhões — anuais aprovados na COP29 em Baku para os países em desenvolvimento, valor em R$ 1,7 trilhão na cotação atual — para US$ 1,3 trilhão (R$ 7,5 trilhões)."

Lacunas 

Do outro lado, a Antártida, apesar de vital para o equilíbrio climático, é afetada pelas lacunas de conhecimento sobre os processos que controlam a estabilidade da camada de gelo na região. É o que revela uma pesquisa liderada por Helen Fricker, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Para os cientistas, essas brechas tornam imprevisíveis os impactos de uma possível perda contínua de gelo, o que exige maior monitoramento via satélites e mais estudos de campo aprofundados.

Outro grupo de cientistas, liderado por Luis Pertierra, da Universidade de Pretória, na África do Sul, avaliou de maneira profunda a biodiversidade da Antártida, uma região repleta de vida cujos aspectos ecológicos são desconhecidos. Embora se saiba muito sobre algumas espécies de vertebrados, a fauna invertebrada, as plantas e os microrganismos locais são inexplorados. O trabalho discutiu ainda como a falta de conhecimento sobre a biodiversidade Antártica dificulta a compreensão dos ecossistemas locais e a elaboração de estratégias de conservação.

Conforme Marco Moraes, divulgador científico e autor do livro Planeta Hostil, a maior preocupação é com o que está ocorrendo no mar. As águas das regiões polares são muito ricas em vida. "O aquecimento está reduzindo a população de organismos microscópicos que são a base da cadeia alimentar. Estima-se que a quantidade de krill — pequeno crustáceo, a base da cadeia alimentar de muitas espécies, com as baleias jubarte —, deve sofrer uma redução de 30% até o fim do século, causando impactos severos em diversas populações de peixes e mamíferos marinhos."

Para ele, observações recentes indicam o derretimento acelerado das geleiras da Antártida Ocidental, incluindo a Thwaites — denominada a "geleira do fim do mundo". "Ademais, o que está ocorrendo com o gelo da Antártida Oriental é algo que não se esperava acontecer tão cedo. É preciso urgentemente reforçar a colaboração interdisciplinar nas regiões polares para que as observações e os modelos utilizados para prever a perda de gelo e seus efeitos sejam mais precisos."

De acordo com Francisco Eliseu Aquino, climatologista, pesquisador em climatologia polar e tropical, mudanças climáticas e logística de expedições e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a biodiversidade pode ser melhor compreendida se os projetos de pesquisa, cooperação internacional, forem mantidos ampliados para novas temáticas. "Para ser preservada, mais do que nunca, a gente precisa considerar que boa parte do Oceano Austral e o entorno da Antártida devem ser mantidos como áreas de preservação e, por consequência, permitindo a manutenção dessa biodiversidade num oceano que está mais quente, numa menor distensão de gelo marinho e, inclusive, um oceano mais ácido no entorno do hemisfério sul."

"O populismo observado hoje, por exemplo, nos Estados Unidos, com a flexibilização da legislação ambiental, a dificuldade de se trabalhar com essa questão e a franca expansão da exploração de petróleo vai ampliar ainda mais a emissão de gases de efeito estufa, que vai amplificar o aquecimento global e vai tornar o ambiente marinho das regiões polares cada vez mais distante do que ele deveria ser, isso é, por exemplo, menos gelo marinho. O aumento da temperatura gera um efeito em cascata, que gera ondas de calor, que gera incêndios, que gera estiagens, então em todos os ecossistemas próximos ao Ártico, nesse caso", sublinhou Aquino.

 O ano de 2025 já quebra recordes

O observatório europeu Copernicus anunciou ontem que o mês passado foi o janeiro mais quente já registrado no planeta, quebrando o recorde estabelecido em janeiro de 2024.

Apesar de o fenômeno La Niña, que resfria as águas do Oceano Pacífico, estar ativo, o primeiro mês de 2025 apresentou um aumento da temperatura média de 1,75ºC, quando comparado aos níveis pré-industriais.

Os cientistas esperavam que esse tempo de calor excepcional chegasse ao fim após o último El Niño, que esquenta o oceano e a superfície terrestre, ter atingido seu ápice em janeiro de 2024. No entanto, mesmo com La Niña ativo, o aquecimento segue em níveis recordes, o que gerou um debate dentro da comunidade científica sobre quais outros fatores poderiam estar impulsionando o aquecimento extremo.

"Isso é surpreendente (...) não estamos vendo o efeito de resfriamento, ou pelo menos um freio temporário, na temperatura global que esperávamos ver", afirmou à AFP Julien Nicolas, cientista do observatório Copernicus. 

Segundo o observatório, espera-se que o La Niña seja fraco e de curta duração. Segundo o Copernicus, as temperaturas em algumas regiões do Oceano Pacífico equatorial sugerem "uma desaceleração ou estagnação da transição para La Niña". Os efeitos podem desaparecer completamente até março.

  

  • Esta fotografia de satélite de distribuição tirada pelo satélite da NASA entre 12 de janeiro de 2025 e 31 de janeiro de 2025 e divulgada pela NASA em 31 de janeiro de 2025 mostra o iceberg A23a (CR) se deslocando em direção às Ilhas Geórgia do Sul, no Oceano Antártico. O maior iceberg do mundo, que se separou da costa da Antártida em 1986, está se movendo depois de mais de 30 anos. Com quase 4.000 km² (1.500 milhas quadradas) de área, ele tem mais que o dobro do tamanho da Grande Londres e aproximadamente 400 m (1.312 pés) de espessura. Pela primeira vez, um grande fragmento, quase tão grande quanto Paris, se separou do maior iceberg
    Esta fotografia de satélite de distribuição tirada pelo satélite da NASA entre 12 de janeiro de 2025 e 31 de janeiro de 2025 e divulgada pela NASA em 31 de janeiro de 2025 mostra o iceberg A23a (CR) se deslocando em direção às Ilhas Geórgia do Sul, no Oceano Antártico. O maior iceberg do mundo, que se separou da costa da Antártida em 1986, está se movendo depois de mais de 30 anos. Com quase 4.000 km² (1.500 milhas quadradas) de área, ele tem mais que o dobro do tamanho da Grande Londres e aproximadamente 400 m (1.312 pés) de espessura. Pela primeira vez, um grande fragmento, quase tão grande quanto Paris, se separou do maior iceberg Foto: AFP
  • Antártica
    Antártica Foto: Divulgação/Marcelo Curia
  • Na Antártica, o aquecimento provoca alterações na biodiversidade e derretimento acelerado das geleiras
    Na Antártica, o aquecimento provoca alterações na biodiversidade e derretimento acelerado das geleiras Foto: Marinha
Isabella Almeida
postado em 07/02/2025 06:01 / atualizado em 07/02/2025 16:40
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