
Uma poda de árvores realizada na tarde dessa segunda-feira (10/2), na orla da Praça do Piquenique Literário, na Avenida Getúlio Vargas, no Bairro Joana Darc, em Lagoa Santa, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, resultou na morte de 66 garças e deixou mais de 150 aves feridas. O impacto ambiental gerado pela ação, em plena época de reprodução da espécie, revoltou moradores e ativistas da causa animal.
O chão da orla, segundo relatos, estava coberto de filhotes agonizando, ovos destruídos e corpos de garças espalhados. “Parecia uma zona de guerra”, descreveu um dos denunciantes que estava presente no local. “A gente que mora aqui, sabe que, todos os anos, elas (garças) voltam. São muitos animais, e as árvores são ninhos gigantes. Foi muito triste. A gente passa na lagoa, e elas estavam sobrevoando à procura dos filhotes. Tem décadas que essas aves vêm para cá”, lamentou.
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Segundo o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), muitas das garças que estavam nos galhos caíram ao chão junto com os ninhos. Além das aves mortas e feridas, ovos foram destruídos, e filhotes acabaram atingidos.
Saiba Mais
Os próprios moradores iniciaram o resgate dos animais, até a chegada do Grupo de Resgate Animal de Belo Horizonte (GraBH) e do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Coman), que prestaram apoio na operação. As aves passaram a noite em um centro de acolhimento provisório, e, pela manhã, o Ibama foi acionado para transferi-las ao Cetas, onde receberam atendimento veterinário.
Agora, a preocupação das equipes de resgate é com a recuperação e reinserção das aves na natureza. Especialistas alertam que muitas delas sofreram ferimentos graves e precisarão de um longo período de tratamento antes de ser liberadas de volta ao ambiente natural.
A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informou que está apurando as circunstâncias e a responsabilidade pelo possível dano ambiental causado pela poda de árvores. Segundo nota divulgada pelo órgão, a perícia oficial esteve no local para coleta de vestígios e análise do ocorrido. “Oportunamente, outras informações poderão ser divulgadas”, declarou a corporação.
Apesar de a poda estar autorizada, os responsáveis pelo serviço foram autuados e encaminhados à delegacia. Eles podem responder com base no artigo 29 da Lei 9.605/98, que trata de crimes contra a fauna, além de maus-tratos a animais. Ainda não foi divulgado quem são os envolvidos e quais acusações foram formalizadas.
Em nota, a Prefeitura de Lagoa Santa afirmou que a autorização para a poda foi expedida com uma indicação expressa para que o serviço não fosse realizado onde houvesse a presença de ninhos e aves. Segundo a administração municipal, essa orientação foi reforçada no documento oficial, seguindo a Resolução 09/2015, que trata da remoção de ervas-de-passarinho nas árvores do município.
A prefeitura informou ainda que as responsabilidades estão sendo apuradas e que sanções administrativas e ambientais já foram aplicadas à empresa contratada, de maneira punitiva e emergencial. O prefeito Breno Salomão, em vídeo publicado nas redes sociais, disse que o trabalho parece não ter sido realizado da forma correta e que não deveria ter sido efetuado daquela maneira.
A administração também destacou que parceiros e instituições técnicas estiveram no local a seu pedido, auxiliando no manejo das aves afetadas, e garantiu que a grande maioria dos animais resgatados está bem e sendo monitorada pelo Centro de Triagem de Animais Silvestres do IBAMA.
Impacto ambiental
A intervenção aconteceu justamente no período em que as garças estão em fase de reprodução. De acordo com especialistas, essas aves formam colônias reprodutivas em árvores próximas a corpos d’água, onde constroem seus ninhos e cuidam dos filhotes até que estejam prontos para voar.
O corte de árvores e as mortes da aves geraram questionamentos sobre o processo de autorização e execução da poda. Embora houvesse uma orientação expressa para evitar o serviço em áreas com ninhos, o procedimento foi realizado mesmo com a presença das aves. Ainda não está claro se houve fiscalização suficiente para garantir o cumprimento da diretriz e em que momento a empresa foi notificada sobre possíveis irregularidades.
Aldair Pinto, diretor do Hospital Veterinário do Centro Universitário UniBH e do GraBH acompanhou o resgate dos animais e criticou a escolha do local para a intervenção. Para ele, a poda foi feita mesmo com a ciência de que ali havia grande concentração de aves. "Era uma poda em um local que sabidamente tinha animais. Fizeram a poda sabendo da existência dos animais", destacou.
As garças têm um papel essencial no equilíbrio ecológico, atuando no controle de populações de peixes, insetos e pequenos vertebrados. A morte de dezenas de aves e a perda de ovos podem comprometer a presença da espécie na região nos próximos anos, já que muitas dessas aves seguem rotas migratórias e retornam anualmente aos mesmos locais de reprodução.
A atenção agora se volta para a recuperação e reinserção das aves resgatadas na natureza. Segundo especialistas, os animais passarão por um período de reabilitação no Cetas antes de ser soltos. O desafio é garantir que tenham condições de sobrevivência sem a estrutura dos ninhos destruídos.
* Estagiária sob supervisão do subeditor Thiago Prata